Folha de S. Paulo


Mais que o futebol, Olímpiada é fonte de sentimentos opostos

O mestre Tostão vira e mexe bate nesta tecla: o futebol serve pra comprovar tantas teses que, no final, não serve pra comprovar tese nenhuma. A mesma pessoa que na vitória apregoa que ganhamos porque fomos todos pro ataque reclama, na derrota, que perdemos porque fomos todos pro ataque.

Além das questões técnicas, várias visões de mundo se escondem por trás do ludopédio: "Qualquer pelada é de uma complexidade shakespeariana", dizia Nelson Rodrigues -e há quem ache a complexidade mais pra brechtiana, pra melodrama hollywoodiano, tragédia grega ou esquete do Monty Python-, vide a gloriosa dancinha do levantador de peso de Kiribati.

Já discuti com mais de uma pessoa por afirmar que prefiro a derrota de 1982 à vitória de 1994. Se o futebol valesse alguma coisa, digamos, a paz na Terra ou o fim da fome na África, eu seria Zagallo e Parreira até o último fio de cabelo, mas ele só vale pela graça do jogo. Jogar feio pra ganhar de 1 a 0 é um pouco como passar a vida toda sem carne nem doce nem cerveja pra deixar, aos 104 anos, um saudabilíssimo cadáver.

Se o futebol já dá argumentos para gregos e troianos, o que dizer de uma Olimpíada? É como um saco de provérbios. Um dia você assiste ao pódio do Diego -"quem espera sempre alcança"- Hypolito (depois de cair de bunda, em 2008, e de cara, em 2012), e, no outro, à vitória do Thiago -"quem não arrisca não petisca"- Braz (subindo o sarrafo na final).

O grande corredor americano Steve Prefontaine dizia que não vencia por ser melhor do que os outros, mas por aguentar a dor como ninguém. A gente ouve isso e fica embevecido, repetindo o mantra da modernidade: qualquer um consegue qualquer coisa, basta se esforçar bastante. Aí vê o Bolt sorrindo e desacelerando no final das corridas e pensa o contrário: as pessoas nascem destinadas a serem o que são, é tudo genética, talento é um troço aleatório, não há muito o que fazer.

Robson Conceição foi desclassificado na primeira luta nas duas últimas Olimpíadas. Treinou, amadureceu, ganhou. Me comovo e penso que o mundo é justo. Mas aí a seleção feminina de vôlei perde pra China e penso, não, não, a vida é injusta, é preciso aceitar.

"O esforço vale a pena", "O esforço é inútil", "Yes, we can!", "No, we can't", são todas ideias contraditórias, mas não autoexcludentes. As coisas são e não são, já disse alguém por aí, não sei se Caetano, Heidegger ou Didi Mocó -todos têm suas verdades, não têm?

Até o fato de a Olimpíada no Rio ter dado tão certo, apesar das nossas mais do que justificadas expectativas, me traz sentimentos opostos. Meu lado otimista diz: viu só? Não somos destinados ao fracasso, quando a gente quer fazer uma coisa direito, a gente vai lá e faz. Aí entra o lado pessimista: o Brasil não é uma tragédia porque a gente não consegue resolver os problemas, ele é uma tragédia porque a gente não quer resolvê-los.

E, para não terminarmos esta última crônica olímpica com um travo na boca, afinal, Olimpíada, pra mim, é um acontecimento tão bonito como a seleção de 1982, deixo vocês com a incrível dancinha de Kiribati. A todos, um bom domingo.

Chamada - Rio 2016


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