Folha de S. Paulo


Seleção brasileira de vôlei deu azar de pegar o voo com meus filhos a bordo

Cada milésimo conta. Um milímetro basta. Um grama a mais e sobe-se menos. Uma caloria a menos e demora-se mais. O que dizer então dos efeitos deletérios de viajar com dois bebês urrando a quatro dias da estreia nos Jogos? Podem ou não arruinar o equilíbrio conquistado em meses de esforço, disciplina e meditação? Era só o que me perguntava enquanto tentava controlar os meus filhos com bolachas, suco, livrinhos e inúteis ameaças, ontem, na ponte aérea que as atletas da seleção brasileira de vôlei tiveram o azar de pegar, rumo à Rio-2016.

Não sei o que deu nos meus filhos. Já viajamos de avião algumas vezes e nunca houve um rebu que não pudesse ser controlado com a dosagem certa de glicose e Peppa Pig (sim, admito, é doping —eu provavelmente não seria aprovado por uma Wada da paternidade, mas há momentos em que só substâncias ilícitas garantem a performance almejada). Ontem, no entanto, nem Galinha Pintadinha surtiu efeito: mal decolamos e meus filhos lançaram as vozes mais alto do que a bola no saudoso saque do Bernard.

Eu percebia os olhares dos demais passageiros. Eles pareciam estar pensando exatamente o mesmo que eu: o Brasil na pindaíba, a Olimpíada desacreditada, nós aqui levando pro Rio uma das maiores promessas de medalha, uma das maiores chances de trazer um pouco de alegria a este povo, e você pondo tudo a perder?

Eu falava: "Olivia, Daniel, pelo amor de Deus! Que que cês querem? Querem iPad? Querem leite condensado? A Jaqueline tá na poltrona de trás! Querem o iPad besuntado com leite condensado?". Eu faria qualquer coisa –faria até brotar, não sei como, uma lata de leite condensado–, mas eles estavam mais enfezados que cubana em final contra o Brasil. Cheguei até a pensar, por um momento: que sorte que o técnico é o Zé Roberto, se fosse o Bernardinho eu já ia ter voado pela janela. E então, em algum lugar entre São Paulo e Rio, a trinta mil pés de altitude, do nada, como um levantamento que, de surpresa, vira cortada, o choro estancou; as crianças se concentraram num livrinho, o ouro voltou a ser uma possibilidade.

Pousamos. Fui ao banheiro. Voltava aliviado à poltrona, pensando que não tinha sido tão grave assim, quando vejo a minha filha no colo da Jaqueline. "Que graça!", ela diz. "Ela pesa 13 quilos, Jaqueline! Dá aqui!". "Imagina! Eu tenho um filho dessa idade! Tô matando a saudade do Arthur". "Guarda a energia pras americanas, devolve!". "Tsc! Pode deixar que eu te ajudo" —e sai carregando a Olivia pelo corredor, pela escada, ônibus adentro.

Há horas, ando em círculos por Ipanema. Imagino Jaqueline numa coletiva, depois de uma (toc, toc,toc) derrota: "Tava tudo bem, mas comecei a sentir o ombro. Acho que foi a menina da ponte aérea". Zé Roberto: "O time inteiro tá estressado. Pra lá de meia hora de choro e Galinha Pintadinha... Depois essa aí ainda me pega a criança!". "Ia fazer o que, Zé? Deixar com aquele pai? Não viu como eles choravam?". "O cara tava com a babá, Jaqueline!". "Mas choravam. Pensei no Arthur. Desculpa." "Não precisa pedir desculpas", diria o técnico. "A culpa não é sua, é daquele pai." "É", "Daquele pai", concordariam todas, com a cabeça baixa e olheiras profundas.


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