Folha de S. Paulo


Vou-me embora pra Chapecó

Penteada, maquiada e planando pela sala de embarque sobre estratosféricos escarpins, a aeromoça troca olhares com o homem de terno. Na fila do pão de queijo, a morena com pinta de dançarina do Faustão ri sem nenhum propósito, ou melhor, com o propósito de chamar a atenção do garoto de fones e boné. O engenheiro barrigudinho, por trás dos óculos e do bigode, tenta contato visual com a aeromoça, depois com a dançarina, depois imagina os três juntos numa Jacuzzi em Honolulu.

Talvez seja a presença oblíqua da morte, talvez o perfume do Duty Free, talvez uma última fumacinha do glamour "Mad Men" que as viagens de avião tiveram um dia: o fato é que há nos aeroportos uma inegável tensão sexual.

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Talvez seja a entonação da voz feminina nos alto-falantes ao pronunciar "Chapecó". Já reparou? "Atenção passageiros do voo Gol 1033 para Porto Alegre, com escala em Chah-peh-coh...").

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Sim. Segundo estudo da Universidade Agnóstica de Honolulu, 63% da tensão sexual dos aeroportos brasileiros brota do langor despejado pelos alto-falantes, a cada meia hora, em "Chah-peh-coh".

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No curso para voz dos alto falantes, há um mês inteiro dedicado exclusivamente à pronúncia de "Chah-peh-coh". As aulas são dadas por gueixas, dominatrix e cantoras de jazz trazidas de Nova Orleans.

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Se eu me casasse com a voz do aeroporto, não queria que ela dissesse "sim", diante do juiz. "Voz do Aeroporto, aceita Antonio como seu legítimo esposo?". "Chah-peh-coh".

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Ela me levaria à loucura na cama, repetindo "Chah-peh-coh". Vendo um filme engraçado, bateria na coxa, "Chapecóóóóó!". Numa tarde de domingo, meio triste, eu numa poltrona, olhando a chuva lá fora, ela viria por trás, de mansinho, sussurrando "Chah-peh-coh". Depois teríamos filhos e ela me ensinaria a niná-los com diferentes melodias para "Chapecó".

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Por que há tantos voos para Chapecó? O que tantas pessoas vão fazer em Chapecó? Se Chapecó tivesse, no mundo real, a importância que tem nos alto-falantes dos aeroportos, seria a terceira maior cidade brasileira. E se tiver, no mundo real, a entonação com que é anunciada nos alto falantes dos aeroportos, sem dúvida é a cidade mais incrível que já houve sob o sol -ou sob a lua. Uma cidade aeroporto onde vigora o amor livre e a paz na terra aos homens e mulheres de boa vontade.

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Vou-me embora pra Chapecó/ Lá sou Cliente Diamante/ Lá tenho a mulher que eu quero/ E na fila, passo adiante/ Vou-me embora pra Chapecó/ Lá não há crise política/ Lá o meu amigo Don Draper/ Faz brotar uísque da bica/ E quando eu estiver mais triste/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me der/ Vontade de me matar/ Lá sou Cliente Diamante/ Lá tenho a mulher que eu quero/ E na fila, passo adiante/ Vou-me embora pra Chapecó.


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