Folha de S. Paulo


Trinta e quantos?

Outro dia, numa mesa de bar, hesitante e assustado, me dei conta de que eu não sabia a minha idade. Trinta e seis parecia pouco, 38 parecia muito e 37, sei lá por que, me soava meio estranho. Que era alguma coisa por aí, eu tinha certeza. Trinta e cinco eu tive já faz muito, muito tempo, mas não tanto, tanto tempo para que eu já pudesse estar com 40; não, se eu fizesse 40, eu iria perceber, ou, no mínimo, iria ouvir algum comentário dos mais próximos. Céus, como pode, a esta altura do campeonato -qual altura, exatamente?- a pessoa ignorar quantos anos tem?

Quando você é criança, a idade é um negócio fundamental. É o dado mais importante depois do seu nome. Você aprende a mostrar nos dedos e passa uma década dizendo "quatro, vou fazer cinco", "cinco, vou fazer seis", "seis, vou fazer sete" e assim por diante. Lembro que, na época, eu achava de uma obviedade tacanha esse "vou fazer", mas hoje entendo: o desejo de crescer é uma parte fundamental do software com o qual viemos ao mundo. "Seis, vou fazer sete" é menos uma constatação óbvia do que uma saudável aspiração.

Na adolescência, a idade continua sendo importante. Afinal, a diferença entre 14 e 16 é, geralmente, a diferença entre Mario Bros e o sexo. Pense no Mario Bros, pense no sexo, e fica evidente que há certas coisas que só dois aniversários fazem por você.

Dos 20 aos 30, avança-se lentamente, com sentimentos contraditórios. A escola foi há séculos, mas ser adulto ainda é estranho. Pelo menos, adulto como aqueles anciãos de 30 que usam gírias "de pai", dançam de um jeito engraçado e parecem ter aprendido a se vestir em algum sitcom da Warner. A resposta sincera a quantos anos você tem, nessa fase, seria: "26, queria fazer 25", "25, queria fazer 24", até chegar a 20 -acho que ninguém, a não ser dopado por doses cavalares de nostalgia e amnésia, gostaria de ir além, ou melhor, aquém, e voltar à adolescência.

Trinta anos é uma idade marcante. Agora é inegável que você ficou adulto, e se o seu quarto ainda guarda algum vestígio da escola (uma coleção de latinhas? Um cone de trânsito? Uma bandeira da Jamaica?) é o caso de refletir seriamente sobre a sua autoimagem. Trinta e um, 32, você vai anotando, sem perder a conta. Mas aí você faz 35 e entra numa zona cinzenta (ou grisalha?) em que idade não significa mais muita coisa. A impressão que eu tenho, a esta altura do campeonato -qual altura, exatamente?-, é que todo mundo tem a minha idade. Meus amigos de 60 e poucos, meus amigos de 20 e muitos. Trinta e dois? Quarenta e oito? Não sendo púbere nem gagá, tão todos no mesmo barco, uns com mais dor nas costas, outros com os dentes mais brancos, mas no mesmo barco, trabalhando, casando, separando e resmungando no Facebook. Deve ser por isso que, sem perceber, parei de contar.

"Trinta e sete, Antonio! Você tem 37!", interveio minha mulher, lá no bar, meio brava com o meu lapso. Ainda fiz as contas no celular, pra ter certeza. Era isso mesmo. Trinta e sete, vou fazer 38, se Deus quiser e não morrermos todos sem água e sem luz até agosto de 2015.

(É em 2015 que a gente tá, né?)


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