Folha de S. Paulo


Nenhum país cresceu apenas concedendo direitos

Lula Marques-5.out.1988/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 05-10-1988: O presidente da república José Sarney, cumprimenta o deputado federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, após a assinatura da promulgação da Constituição, em Brasília (DF). (Foto: Lula Marques/Folhapress)
Sarney cumprimenta Ulysses Guimarães após a assinatura da promulgação da Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988 aponta para a construção de uma sociedade civilizada, mas contém ambiguidades que estão na base da terrível judicialização que está contribuindo fortemente para a confusão instalada na República. Tomemos o capítulo dois (dos Direitos Sociais, artigo sexto, que já sofreu duas emendas). Ele afirma:

"São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Os "direitos" têm seis artigos (do 6º ao 11º), ocupando três páginas. No índice de "assuntos" anexo à Constituição, os "direitos" ocupam também três páginas. O curioso é que de tal índice não constam as entradas "deveres" ou obrigações". Em poucas palavras, os "direitos", aparentemente, não exigem qualquer contrapartida dos cidadãos, mas como são "direitos", podem ser buscados diretamente no Poder Judiciário.

Isso pressupõe que o Estado dispõe de recursos infinitos, um maná caído do céu. Quando o Judiciário decide quem vai ter assistência à saúde ou aposentadoria especial, ele está, de fato e ao mesmo tempo, cortando "direitos" do cidadão comum, uma vez que os recursos totais atribuídos à saúde e à aposentadoria foram fixados no Orçamento pelo Poder competente – o Legislativo.

O ponto fundamental é saber o que se deveria esperar do cidadão, da produtividade do qual devem sair os recursos para atender os "direitos" do artigo sexto. Sem essa definição, a judicialização no máximo pode gerar "direitos abstratos": transferências voluntaristas e arbitrárias entre cidadãos que beneficiam uns em detrimento de outros.

O produto interno bruto (PIB), isto é, a disponibilidade de bens e serviços à disposição da sociedade, é matematicamente igual ao número de trabalhadores empregados multiplicado pela sua produtividade média. Esta depende do capital à disposição de cada trabalhador, ou seja, da quantidade de trabalho passado destinado à produção de bens de capital e, portanto, não disponível para consumo. Como os "direitos" judicializados não a aumentam, eles apenas fazem crescer a desigualdade entre os cidadãos.

Nenhum país cresceu só concedendo "direitos". Todos cresceram e transformaram os "direitos" abstratos em concretos, com um aumento persistente da produtividade média do trabalho dos seus membros.
É cada vez mais necessário convocar um concílio dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, para chamar-lhes a atenção para os limites físicos implícitos nos "desejos" do "livrinho".


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