Folha de S. Paulo


Na melhor das hipóteses, vem por aí uma enorme confusão internacional

Kevin Lamarque/Reuters
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante reunião na Casa Branca

O "free rider" é um elegante nome inglês de difícil tradução. Talvez a coisa mais próxima seja "aproveitador, oportunista". Para defini-lo, é preciso, antes, entender o conceito de "bem público", isto é, um bem ou serviço do qual, por motivos físicos ou práticos, ninguém pode ser excluído (por exemplo, a segurança externa do país) e pelo qual o beneficiário (e aproveitador) se recusa a pagar (sonegando impostos quando tem condições de materialmente fazê-lo).

Ele sabe que nele será, necessariamente, incluído: se o inimigo externo perder, ele estará livre para apropriar-se dos benefícios da vitória sem ter pago nada; se vencer, terá perdido a sua liberdade, exatamente como todos os outros, mas não terá "perdido" nada mais do que eles.

Todos nós temos, na prática, experiências desagradáveis com relação a esse fenômeno, obviamente em situações triviais. Alguns já tiveram a desilusão de tentar levar a eletricidade ao seu sitiozinho localizado a 1.000 metros da rede, que atravessará 10 ou 15 propriedades diferentes e que precisa ser paga pelos usuários.

Tentaram a cooperação de todos, mas se surpreenderam com a de um "bom amigo" que está no meio do caminho e que se recusa a cooperar (mesmo em condições materiais de fazê-lo) porque sabe que, se os outros fizerem, dela não poderá ser excluído.

Em São Paulo, por exemplo, num modesto prédio de 20 apartamentos, todos têm a experiência da falta de luz duas vezes por semana (e até nos fins de semana), quando nem o elevador de serviços funciona.

Pois bem, um potencial beneficiário, do oitavo andar, se recusa a colaborar, mesmo tendo capacidade para fazê-lo, com a compra de um pequeno gerador, pago em 24 meses. Ele sabe que, se os outros aceitarem a "vaquinha", será beneficiado de "graça".

O "free rider" existe no nível internacional. Em condições normais de pressão e temperatura, o "free rider" (o país) se aproveita de sua situação estratégica para transferir os custos dos serviços de segurança nacional de que necessita para outro que tem a disposição de pagá-lo, pelas vantagens geopolíticas que vai receber para manter a liderança mundial.

A situação fica instável quando os benefícios concedidos parecem ter ultrapassado os benefícios recebidos pelo doador empobrecido. Qualquer "semelhança" entre essa situação e as relações dos EUA com a Otan, com o Japão ou com a Coreia do Sul é, obviamente, mera "coincidência".

Suspeito que a "era Trump" seja apenas o início da manifestação de que a "machtpolitik" do fugaz império americano atravessou o cabo da Boa Esperança. Na melhor das hipóteses, vem por aí uma enorme confusão internacional.


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