Folha de S. Paulo


Inflexão

Aparentemente, a pregação do vice-presidente, o ilustre professor Michel Temer, sobre a necessidade de atores sociais, políticos e econômicos se sentarem à mesa, desarmados da agressividade oportunista, encontrou eco. A última semana assistiu a uma mobilização, entre assustada e esperançosa, de todos os atores:

1. A abertura de um diálogo mais profícuo entre o Executivo (que tem dificuldade de dizer, precisamente, o que acredita ser o mínimo, urgente e necessário para corrigir o desequilíbrio estrutural das contas públicas e criar as condições para a volta a um modesto crescimento econômico) e o Legislativo (que apresentou um programa amplo e sem foco, com algumas sugestões abandonadas no seu seio há anos e que, de repente, se propõe a priorizar).

Isso talvez permita que os dois coloquem o seu foco em poucas questões: a) reforma do ICMS; b) Reforma do PIS/Cofins; c) análise das vinculações orçamentárias (como é possível administrar um país em que a despesa obrigatória, endogenamente determinada, é da ordem de 90% da receita corrente); d) análise do Acordo Coletivo do Trabalho com Propósitos Específicos (ACE), proposto pela CUT em setembro de 2011, que dorme, até hoje, o sono dos justos na Casa Civil, e e) simplificar o problema previdenciário com a definição de uma idade mínima para aposentadoria. É inútil dizer que nenhuma dessas medidas será aceita se, implicitamente, a sociedade não confiar no bom senso e na honestidade de propósito do Poder Executivo.

2. Uma análise objetiva e aritmética dos votos no Congresso revelou que nem na Câmara nem no Senado há razoável probabilidade que seja aceita uma eventual recomendação de rejeição das contas de Dilma pelo TCU, o que deve influir na disposição dos seus ilustres ministros. Basta considerar as profundas divisões do PMDB e, mais ainda, as do PSDB, que atende a interesses divergentes (alguns preferem o caminho natural da política com eleições em 2018), que somarão seus votos aos do PT e aos da esquerda infantil. Isso arrefecerá a coragem dos "barulhentos".

3. O risco potencial para Dilma (e, no caso, para Temer) reside no Tribunal Superior Eleitoral, cujo comportamento técnico exigirá provas materiais irrefutáveis, muito além da palavra de eventuais colaboradores com a Justiça.

Esses são os "fatos" (ou, pelo menos, o modo como hoje são vistos). "Passeatas" cívicas dominicais; "panelaços" em bairros elegantes e "gritaria" no Congresso podem revelar o mau humor da sociedade, mas não são as provas materiais de que precisam os que querem protestar e podem fazê-lo porque protegidos pela democracia mas, que no fundo, desconfiam dela...


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