Folha de S. Paulo


Divergência

Na economia, como em todos os campos do conhecimento, a aplicação pelos analistas de regras universais simples é sempre problemática. Causam disputas nas quais em geral se escondem sutis diferenças ideológicas que inconscientemente os envolvem.

A nova discussão sobre a evolução nos próximos três anos da relação dívida bruta/PIB mostra isso. Um módico algebrismo demonstra que ela, no fim do ano de 2015, estará ligada à do fim de 2014, subtraído do superavit primário feito em 2015. O coeficiente de ligação é uma simples relação entre a taxa de juro real e a taxa de crescimento do PIB.

No universo algébrico em que se deduz tal relação, tudo é lógica, precisão e certeza.

No universo econômico, por sua própria natureza, tudo se transforma numa lógica com algum viés e em imprecisão e incerteza.

Por exemplo: 1-) Quais as contingências que devem ser incluídas na definição da dívida bruta? O mais simples, mas não necessariamente o mais correto, é seguir as normas sugeridas pelo FMI (o que torna possíveis comparações internacionais). O Brasil as segue mas, como de costume, tem a sua "jabuticaba".

2-) Como classificar o "risco" contingente de ativos financiados com a dívida bruta, mas cuja valoração não medem o "esforço fiscal", mas sim flutuações do mercado, como é o caso das reservas de divisa?

3-) Essas questões influenciam o cálculo da taxa de juros real, que acaba definida, "a posteriori", pelo montante de juros pagos com relação à dívida bruta.

4-) Por último, mas não menos importante, pelas estimativas do "superavit primário", sujeito a erros aleatórios (para benefício do Tesouro) e do PIB sujeito a contingências metodológicas e estatísticas.

O Banco Central aplica com cuidado, honestidade e competência a metodologia internacional na estimativa da dívida bruta. Seria uma tragédia ainda maior do que o aumento da relação dívida bruta/PIB, qualquer modificação "ad hoc" dessa metodologia.

O Brasil está farto da contabilidade "criativa" e das "pedaladas" que enroscaram o governo. É preciso reconhecer, entretanto, que elas não são a causa eficiente dos nossos problemas atuais. Apenas ajudaram a empurrar, até o seu limite, a "emergência" fiscal que só agora se concretizou.

Há 27 anos, ela é uma certeza. Todos sabiam que duas curvas que evoluem a taxas diferentes (a receita e a despesa correntes do governo) se encontrariam um dia. Este momento foi herdado pela presidente Dilma, ainda que ela, recentemente, o tenha cultivado com algum carinho...

Confortemo-nos, cada um, com nossas próprias "previsões" que refletem a realidade fugidia em que vivemos.


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