Folha de S. Paulo


Caçadores de renda

Em qualquer regime político a natureza das instituições determina o comportamento dos seus membros. Sem algum mecanismo de "voto distrital", por exemplo, é muito difícil corrigir distorções acumuladas ao longo do tempo por categorias bem organizadas. O governo em algum momento as acariciou com benesses transferindo-lhes renda.

A sociedade tem grande dificuldade de ligar os custos difusos à apropriação de renda por um grupo bem definido. Um exemplo bem claro desse processo é dado pela resistência à racionalização do trabalho nos portos, que é importante determinante da produtividade geral da economia.

No caso do porto de Santos, é natural e legítimo que os seus representantes legislativos (ligados ao eleitorado santista) defendam com unhas e dentes os direitos "conquistados" ao longo do tempo pelos trabalhadores portuários, ainda que isso reduza a sua eficiência, torne menos competitivas a nossa exportação e a nossa importação, em prejuízo de toda a sociedade.

Esta é, assim, duplamente "extraída": transfere renda de monopólio aos portuários, de um PIB menor apropriado pelos outros.

O fato surpreendente é que um deputado cuja base é Ribeirão Preto, mas que teve alguns "votinhos" em Santos, em lugar de defender a eficiência do porto para exportar mais açúcar a um preço melhor (atividade da qual vive a maioria dos seus constituintes), cale-se ou vote a favor de tais "conquistas" na vã esperança de aumentar sua votação futura em Santos e na certeza de que seus eleitores de Ribeirão Preto serão incapazes de introjetar a "traição".

O voto distrital não é uma panaceia, mas seguramente facilitará a construção de uma sociedade republicana, onde os "caçadores de renda" terão maior dificuldade de conseguir seus objetivos.

Uma parte do atual desequilíbrio fiscal se deve ao desenho impróprio e à falta de controle sobre alguns programas (seguro desemprego, pensões, seguro defeso para pescadores, prestação de benefício continuado etc.) conhecidos há anos.

A outra, mais importante, se deve ao próprio processo eleitoral, durante o qual o governo recusou-se a reconhecer a queda da taxa de crescimento do PIB e suas consequências sobre a receita e a despesa públicas.

As revisões bimestrais não cumpriram o seu papel, por isso estamos terminando 2014 com um deficit nominal da ordem de 5% do PIB. A correção do superávit primário enviada ao Congresso, em "legítima defesa", precisa ser aprovada, mas criará mais um problema de credibilidade a ser enfrentado pelo governo no período 2015-2018.


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