Folha de S. Paulo


Vínculo carnal pode derrubar Temer

Michel Temer escapou de ser cassado pelo TSE, no qual o assombrava a Odebrecht. Mas terá dificuldade para fugir da morte política no Congresso, onde serão votadas as acusações relativas à JBS. O vínculo do presidente com o maior frigorífico do planeta parece constituir dieta fatal.

Se os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht punham o foco em Lula e Dilma, a ousadia de Joesley Batista mirou no líder do PMDB. Não bastasse ter gravado o peemedebista quando indicava assessor de "confiança", depois fez filmar o mesmo assecla no momento em que recebia mala com R$ 500 mil. Agora, deixou o mandatário em situação ridícula ao fazê-lo afirmar que "não sabia" de quem era o jato que o levou à Bahia em 2011.

O ocupante do Planalto não será derrubado por ter tomado carona nas asas da JBS. Mas o acúmulo de evidências a respeito da estreita ligação entre ele e o dono da Friboi deixa claro que a sorrateira conversa noturna registrada em 7 de março no Palácio do Jaburu era um encontro entre parceiros. Depois, um deles conseguiu exilar-se em Nova York, ao preço de jogar o outro às feras.

Muitos leitores, contudo, devem estar se perguntando se o Mordomo não reunirá os 172 votos necessários para barrar o processo na Câmara dos Deputados. Se foi capaz de aliciar quatro ministros no TSE, apesar da pressão pública, por que fracassaria no terreno parlamentar, que domina tão bem? Dois aspectos diferenciam as situações.

O primeiro é que, daqui em diante, Temer será julgado sozinho. A companhia de Dilma Rousseff no banco dos réus no TSE foi uma ajuda fundamental. Se o tribunal tivesse condenado a chapa de 2014, haveria como que uma legitimação retroativa do impeachment de 2016, o que evidentemente constrangia os apoiadores da ex-presidente.

O segundo é que os três ministros que formaram a base da vitória temerária no TSE prestam contas apenas a quem os nomeou. Quanto a Gilmar Mendes, o quarto e decisivo voto a favor do presidente, é provável que tenha sacrificado ontem o seu ambicioso percurso ao contradizer-se de maneira tão gritante.

Já os deputados dependem do voto popular para sobreviver. Por isso, a pressão sobre eles vai ter outro efeito. O que ainda poderá segurar o atual mandatário é a completa ilegitimidade da eleição indireta que deveria seguir à sua queda, caso não haja mudança constitucional. No presente estado de intoxicação proteica, os candidatos à sucessão precisariam ser verdadeiros veganos, o que não é encontradiço no mundo público.

Melhor seria que um amplo movimento pelas diretas abrisse as janelas e dissipasse o desagradável cheiro de carne estragada que ora domina o ambiente.


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