Folha de S. Paulo


Cerco a Lula desequilibra o jogo

Reprodução/Vídeo
Quem é Quem - Lula - Moro - Depoimento - Curitiba - Lava Jato - Tríplex

O esperado confronto entre Lula e Sergio Moro, na quarta-feira, foi precedido e sucedido por um conjunto de delações que torceram o resultado em favor de um dos contendores.

Largamente reproduzidas pela mídia, como já ocorreu em outras circunstâncias cruciais (vide condução coercitiva), no prazo de três semanas apareceram supostas revelações de Léo Pinheiro, dono da empreiteira OAS, sobre destruição de provas; de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, a respeito do conhecimento de desvios na empresa; e de João Santana, referente a uso de caixa dois. Parece que o Partido da Justiça (PJ), aliado a setores da mídia, deflagrou ofensiva para impedir o ex-presidente de ser candidato em 2018.

O duelo de Curitiba, em si, acabou numa espécie de empate sem gols. O juiz teve a habilidade de apresentar uma faceta neutra, escondendo as próprias convicções sob a capa de perguntas objetivas. Lula, por sua vez, decidiu concentrar a agressividade no Ministério Público. Ambos devem ter entendido que o confronto aberto os prejudicaria perante a opinião pública.

Do ponto de vista do processo, contudo, o zero a zero era melhor para Lula, pois cabe à acusação o ônus da prova. Alguns testemunhos, reportagens e documentos foram apresentados por Moro como indícios de transações indevidas no caso do tríplex de Guarujá. Ocorre que a transferência final da propriedade nunca aconteceu, o que seria um argumento definitivo por parte de Lula. Ele não poderia agora ser condenado por receber algo que nunca, finalmente, recebeu.

No entanto, o escândalo jurídico-midiático que cercou e cerca o longo diálogo paranaense pode ter feito a vantagem de Lula diminuir. Delações não provam nada, mas criam, pela proximidade dos personagens, impressão muito negativa ao ex-mandatário. Afinal, Lula reconhece relação de alguma constância com Pinheiro, admite ter-se encontrado com Duque e teve vínculos públicos com Santana.

Quantos cidadãos vão entender as minúcias que envolvem o tríplex de Guarujá e quantos vão formar juízo por meio de denúncias bombásticas irradiadas em horas e horas de TV? Como o que está em jogo é o futuro da democracia brasileira, convém registrar que a história cobrará caro dos que resolverem cassar a candidatura popular, utilizando meios duvidosos e desiguais para fazê-lo. A crise entrou em etapa decisiva.

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A morte de Antonio Candido, um gigante intelectual que tinha esperança no Brasil, deixa ainda mais triste o ambiente do país. Resta o consolo de sua obra, feita de conhecimento, clareza e elegância. Fonte de inspiração para seguir adiante em tempos sombrios.


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