Folha de S. Paulo


Queima de empregos destrói vidas

Aos poucos, e se a sorte ajudar, nos aproximamos do ironicamente tão esperado fundo do poço. Dados do Ministério do Trabalho indicam uma sutil desaceleração da taxa de desemprego —que, no entanto, continua a subir— e a maioria dos analistas econômicos acredita que por volta de abril ou maio as demissões cessem. Daí para frente haveria uma (bem) lenta recuperação de vagas.

Em consequência, pode-se divisar, entre a fumaça e os escombros da batalha, o tamanho do estrago causado pelo ajuste austericida, começado por Dilma Rousseff e continuado pelo seu vice e sucessor, Michel Temer. Como se esperava, um dos setores mais atingidos pela artilharia recessiva foi o mercado formal de trabalho. Quase 3 milhões de empregos com carteira assinada foram queimados entre 2015 e 2016.

Significa dizer que cerca de 12 milhões de brasileiros, considerando-se que ao redor de cada demitido há uma família média de quatro pessoas, caíram na zona do desespero. Com o seguro-desemprego restringido, e sem a perspectiva de recuperar um salário fixo no curto ou médio prazo, aparece o palpável fantasma de ficar sem nenhuma renda para comer, vestir e morar. Em tais condições, faz-se qualquer coisa para sobreviver.

Uma das saídas é o trabalho doméstico, cujo crescimento foi detectado pelo IBGE. As diaristas, que tinham minguado no período do lulismo pleno, isto é, até o final de 2014, voltaram a aparecer. Os jardineiros, que haviam se tornado escassos, retornaram.

O vínculo doméstico é sintomático, pois as jovens trabalhadoras preferem empregar-se no setor de serviços, muitas vezes para ganhar o mesmo, mas onde tem mais perspectivas de evolução. Acabam por aceitar condições precárias, como jornadas hiperestendidas e alta rotatividade, por exemplo, em supermercados, antes de ceder à labuta residencial.

No entanto, o comércio fechou cerca de 200 mil vagas só no ano passado, obrigando as moças a optar pelos caminhos antigos. Convém lembrar que parte delas, graças ao Prouni e ao Fies, chegaram à universidade no período anterior. Não deve ser raro, em decorrência, encontrar diaristas universitárias por aí.

Quando a última porta se fecha, pois a crise atinge também a classe média, restam alternativas que afetam o indivíduo de maneira profunda, como a prostituição ou a criminalidade. São conhecidas as reportagens que dão conta do aumento do número de garotas de programa em função do desemprego. Quanto à violência, é difícil medir, pois virou endêmica no Brasil. Quantas vidas foram e ainda serão desperdiçadas nesse moinho destrutivo e desumano?

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Paro por duas semanas. Volto em 18/2.


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