Folha de S. Paulo


Postura de Teori fica como principal herança

Leio no resumo biográfico preparado por Frederico Vasconcelos sobre Teori Zavascki a frase colocada no título desta coluna. Foi dita pelo ex-ministro a jornalistas, explicando por que preferia manter-se reservado. A meu ver, sintetiza a principal lição deixada pelo jurista morto na quinta (19).

Uma democracia vive do equilíbrio de muitos poderes. Tem mais chance de prosperar quando os atores que os exercem compreendem a fundo o papel do qual estão incumbidos. O distanciamento mostra que Teori sabia o que estava fazendo.

O juiz, para cumprir de maneira adequada a função que lhe foi atribuída pela sociedade, precisa manter a independência. Caso o magistrado esteja, ou pareça estar, envolvido com uma das partes, compromete o veredito que vai proferir. A ideia é óbvia, mas, na prática, difícil de ser sustentada, pois implica controlar a enorme vaidade que a todos consome.

Veja-se, por exemplo, as atuações do ex-ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470, e do responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sergio Moro. No primeiro caso, repetidas manifestações intempestivas no plenário do tribunal, que produziam forte cobertura de imprensa, tiraram-lhe a aura de isenção necessária para conduzir o delicado processo que o sorteio lhe atribuiu. No segundo, ações públicas contra o PT, uma delas admoestada pelo próprio Teori (divulgação do diálogo Dilma-Lula), sem falar na repetida exposição midiática, conspurcaram a imagem de neutralidade técnica que possuía no princípio da operação.

Já Teori agiu em silêncio. Relator da Lava Jato, deu raras declarações e fez poucas aparições em público. Badalação, zero. Imagine-se quanta solidão, e mesmo angústia, nas horas difíceis, deve ter passado. Ganhou, em troca, a medalha representada pela curta frase de Romero Jucá a Sérgio Machado em março passado: "É um cara fechado", para significar que Zavascki era inabordável. O que de melhor se pode esperar de um juiz?

Não significa que Teori estivesse alheio à política. Basta recordar a decisão tomada em maio de 2016 de suspender o mandato de Eduardo Cunha, tirando-o da presidência da Câmara, sem que houvesse precedente constitucional para tanto. Em novembro de 2015, mandou prender Delcídio do Amaral, apesar deste possuir mandato de senador. A delação de Delcídio desencadeou a avalanche que terminaria no impeachment.

Não obstante, Zavascki recebe agora homenagens de todo o espectro partidário, inclusive de Dilma e do PT. O consenso em torno dele, um dos raros acordos que ainda estavam em pé neste país polarizado, decorria da sua imagem de independência. Resta exigir que o próximo relator herde, além da responsabilidade, a postura.


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