Folha de S. Paulo


Notícias da casa dos mortos não obtêm respostas adequadas

Em janeiro de 2014, período em que os acontecimentos escasseiam, detentos do Maranhão gravaram vídeo com decapitações. Elas circularam o país todo. Horrorizado, o Brasil passou algumas semanas discutindo o que fazer a respeito. Em seguida, outros temas se superpuseram (corrupção, Copa, eleições) e a vida seguiu.

No primeiro dia deste ano, a nação foi confrontada de novo com a trágica realidade dos presídios. Presos de Manaus (AM) ligados a uma facção criminosa massacraram, decapitaram e esquartejaram 56 colegas. Deixaram que a ação fosse filmada pelas câmaras do circuito interno.

Nesta sexta (6), 31 foram degolados e filmados numa colônia prisional em Roraima. Nos três casos havia, portanto, intenção de avisar —numa mistura de ameaça e pedido de socorro— o que ocorre no subsolo da sociedade.

Outra vez, é claro, o assunto toma conta do noticiário. Indignação, análises, estatísticas, cálculo político, debates. Em breve acontecimentos mais palatáveis —porque menos crus— irão se apresentar, e os habitantes da superfície, este colunista incluído, irão esquecer o tema, até que o próximo reality show penitenciário nos chacoalhe.

Entre um e outro choque, nada efetivo será feito. Por quê? Porque o país se encontra em absoluto desacordo sobre como proceder em relação ao problema da criminalidade.

Dois exemplos. Antes mesmo da plena redemocratização, lá se vão 35 anos, o governo estadual liderado por Franco Montoro em São Paulo tentou implementar uma política de direitos humanos na área de segurança. Teve que recuar diante do desgaste que sofreu. As pesquisas mostram que há vasto apoio à pena de morte entre os cidadãos, e a preservação dos direitos daqueles que se encontram detidos não é nada popular.

Até onde tenho conhecimento, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) foram a mais importante iniciativa no plano nacional para enfrentar a violência. Embora, na prática, muitas contradições tenham acompanhado a implantação do projeto, sua concepção era simples: o Estado só retomaria o controle dos territórios tomados pelo crime organizado se, junto com a polícia, houvesse forte investimento social.

Moradia, mobilidade, saúde, educação e lazer precisariam vir junto com a presença de uma força armada de controle. Agora, diante dos vinte anos de limitação do gasto público, tal visão se torna, outra vez, utopia.

Enquanto não formar amplo consenso civilizatório, a casa dos mortos continuará a enviar sinais, intermitentes e nítidos, da barbárie brasileira profunda. Sem respostas vindas de cima. Não é casual o presidente da República ter chamado a chacina amazônica de acidente.


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