Folha de S. Paulo


Bate-cabeça entre Senado e STF mostra alto grau de entropia

Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) deixa o gabinete da presidência após acompanhar a sessão do STF
Renan Calheiros deixa o gabinete após sessão do STF que o manteve na presidência do Senado

A crise brasileira é uma crise de direção. Ninguém sabe para onde ir a partir da Operação Lava Jato e da estagnação econômica. No bate-cabeça da semana, a mesa do Senado e o STF mostraram profunda desorientação. Depois de terem afastado o presidente da Câmara sem base constitucional e preservado os direitos políticos de Dilma Rousseff numa montagem conjuntural, senadores e ministros togados se acostumaram a tomar decisões ad hoc, sem um sentido mais amplo.

É verdade que o governo Temer possui um plano econômico. Trata-se de utilizar o mandato tampão para aprovar medidas impopulares como o teto dos gastos, a reforma da Previdência e a flexibilização da CLT, de modo a alinhar o Brasil com as exigências do consenso capitalista mundial e atrair investimentos. Só que o programa não está dando certo e, além disso, esse software não responde às acusações de corrupção, que pesam mais e mais sobre a base governista.

Então, à falta de rumo, cada um atua do jeito que lhe dá na telha. Note-se que Renan foi transformado em réu por episódio bem anterior à Lava Jato. Acusado em 2007 de ter contas privadas pagas por uma empreiteira, o atual vice-rei de Alagoas empurrava o assunto com a barriga, no velho estilo pessedista de recuar quando necessário, mas nunca largar o osso do poder. Porém, o espírito lavajatista subiu à mente do ministro Marco Aurélio Mello, que resolveu cortar o nó górdio ao estilo Moro. Se Teori Zavascki pôde, legalmente, derrubar Cunha, por que ele não poderia dar o tombo em Calheiros?

A questão de fundo, entretanto, não é estritamente legal. Os juízes, em alguma medida, sempre fazem legitimamente política. Não no sentido partidário ou eleitoral, do qual deveriam se manter distantes em benefício da equidade. Porém, chegado o momento em que mais de uma interpretação aceitável para a mesma regra se apresenta, cabe ao magistrado decidir com base em valores, visão de mundo, noção subjetiva de ética e avaliação das forças em jogo.

Tendo o comando do Senado se entrincheirado numa abstrusa desobediência civil, os juízes, na ausência de algo que os unificasse, ficaram atônitos diante do dilema posto. É melhor encontrar soluções pacificadoras, ainda que isso implique acochambrar as regras, ou está na hora de tratar os desvios a ferro e fogo para, finalmente, passar o país a limpo, mesmo que isso implique destruir a classe política e os partidos, deixando a sociedade à deriva?

Na ausência de condução capaz de unificar atores, cada um tomará o curso de ação que lhe parecer melhor na hora. Cada cabeça será uma sentença, na qual o autointeresse, é claro, sempre pesa e atrapalha. Enquanto não surgirem polos aglutinadores, prevalecerá o caos.


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