Folha de S. Paulo


Governo Temer pode sofrer sarneyzação

Os fracos resultados econômicos no trimestre terminado em setembro somados ao desarranjo mundial provocado pela vitória de Donald Trump formam quadro perigoso para o Brasil. A situação já indicava dificuldades estruturais para uma volta dos empregos. Agora, a incerteza produzida pelo trumpismo deverá congelar as decisões de investimento ao redor do planeta até que, empossado, o novo ocupante da Casa Branca mostre o que realmente vai fazer.

Diante dessa mudança conjuntural, o governo Temer parece inerme, perdido na ilusão de que a austeridade bastará para recolocar o "país nos trilhos", como gosta de dizer o presidente. Governar requer alterar rotas quando o horizonte muda. Na ausência de resposta, o caos ameaça tomar conta.

A curta semana pós-proclamação da República foi típica de avião sem piloto na cabine de comando. Enquanto a sociedade se agitava de maneira furiosa — seja pela legítima revolta dos funcionários públicos cariocas, seja pela amalucada invasão da Câmara Federal por nostálgicos do regime militar —, instituições do âmbito judiciário continuavam a triturar o mundo político. Desta vez caíram os ex-governadores Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, além de surgirem novas denúncias contra o PSDB de São Paulo.

Emblema de toda a confusão, o Rio de Janeiro ficou parecendo uma Grécia em escala subnacional, na qual estivesse em curso também uma megaoperação Mãos Limpas. No meio do furdunço, o Planalto repetia o discurso monocórdio de que a volta do crescimento depende de mais arrocho, entoando o mantra "acalma mercado" da reforma previdenciária.

Até que ponto os luminares do PMDB acham que os prejudicados vão aguentar em silêncio? Pode ser que, sustentado pela maioria parlamentar que derrubou Dilma Rousseff, o Executivo consiga até fazer passar a pretendida mudança na idade mínima para aposentadoria. Mas se os empregos não reaparecerem, Michel padecerá de rápida sarneyzação. Convém lembrar que o ex-presidente José Sarney conseguiu vencer no Congresso constituinte a difícil batalha em favor do mandato de cinco anos para si, o que não o impediu de deixar a Presidência com uma das maiores rejeições registradas desde o retorno dos civis ao poder.

A seguir assim, a dupla Temer/Meirelles, que pretendia emular a dobradinha Itamar/FHC, acabará abrindo a porta para algum salvacionista de ocasião, como diria Chico de Oliveira. Com a Lava Jato pondo abaixo as estruturas partidárias, torna-se fácil o surgimento, filiado a qualquer microlegenda, de um messias que prometa colocar ordem na bagunça — tal como Fernando Collor de Mello jurava dar um fim à inflação em 1989. Venceu.


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