Folha de S. Paulo


Poderosa exceção

A surpresa da semana foi a suspensão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do mandato de Eduardo Cunha, uma vez que a aprovação da aceitabilidade do processo de impeachment contra Dilma Rousseff eram favas contadas. Vale notar, contudo, que repetida a decisão senatorial na próxima quarta-feira, o Poder Executivo e a Câmara dos Deputados ficarão mancos, com os seus chefes eleitos afastados. Só restará íntegro o Judiciário.

Como a defenestração do parlamentar carioca era a única coisa que unificava a opinião pública nacional, não há como deixar de saudá-la. Mas o Judiciário assumiu risco de largas consequências. Conforme se pode depreender da entrevista com a professora Eloísa Machado, da FGV-SP, ingressamos em verdadeiro terreno de exceção sob comando do Judiciário, pois simplesmente não existe a figura constitucional da suspensão de mandato.

O colegiado jurídico sabia o tamanho do passo que estava dando. Tanto é que vários membros destacaram, no voto, a dificuldade da decisão. Na realidade, os ministros esperaram até a última hora que a própria casa do povo, a única que legalmente poderia fazê-lo, cassasse Cunha. Diante da inércia dos deputados, resolveram atender aos clamores da sociedade antes que o Underwood brasileiro se tornasse, na prática, o vice-presidente da República.

Só que feito o primeiro movimento, não há como voltar atrás. Se a queda de Cunha livra Temer de associação imediata incômoda, a liderança assumida por Rodrigo Janot e os 11 togados supremos coloca sob suspeição boa parte da base com a qual o peemedebista pretende governar. Não por acaso, "um grupo de parlamentares (...) assinou nota de solidariedade [a Cunha] na varanda do Palácio do Jaburu", residência oficial do futuro presidente em exercício. Entre os signatários do apoio ao "suspenso", estavam Leonardo Picciani (PMDB-RJ), cotado para o Esporte, e Renata Abreu (PTN-SP), cogitada para ocupar a pasta de Direitos Humanos.

A pressão não para por aí. O ministro Marco Aurélio Mello ordenou que a Câmara abrisse processo de impeachment contra Temer, pepino que agora está nas mãos de Waldir Maranhão (PP-MA). Tendo assinado decretos orçamentários suplementares como Dilma, será difícil ao interino do Legislativo explicar por que o interino do Executivo deve ser poupado.

Por fim, quando o Tribunal Superior Eleitoral, ligado por sua presidência ao STF, for julgar as denúncias, tão caras à Lava Jato, de dinheiro irregular na campanha de 2014, colocará em risco a presidência Temer. Em outras palavras, o mecanismo deflagrado quinta-feira última no Palácio da Justiça é excepcionalmente poderoso.

avsinger@usp.br


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