Folha de S. Paulo


O vazio adiante

A presente conjuntura, como se sabe, não permite previsões sequer de 24 horas. Mas, no momento em que escrevo, crescem as chances de entrarmos no segundo semestre sob a Presidência Michel Temer. Cabe, portanto, prestar atenção à montagem da mesma.

No primeiro ato, representado pela ruptura do PMDB com Dilma na terça passada, o que se viu em Brasília augura enormes problemas à frente.

O mais antigo partido brasileiro em funcionamento foi incapaz de apresentar uma mísera razão para quebrar o pacto que reelegeu a atual presidente pouco mais de um ano atrás. Em reunião de três minutos (sic), o Diretório Nacional decidiu que a sigla se retirava "da base do governo da presidente Dilma Rousseff".

Nenhum documento para explicar aos eleitores os motivos da ruptura. Foi com certo esforço que encontrei na internet a moção do Diretório Regional da Bahia, aprovada cerca de 15 dias antes, a qual embasou a deliberação dos dirigentes nacionais. Nela, são apresentados, em só 13 linhas, os fundamentos do gesto.

Quase todas as razões elencadas referem-se à economia interna da sigla. "As bases e a militância (...) já não concordam em integrar o governo" e "a permanência do PMDB (...) fomentará uma maior divisão do partido". "A manutenção do PMDB no governo vai de encontro à pretensão do partido de lançar candidato próprio (...) em 2018". "Embora tenha a vice-presidência", o partido "nunca foi chamado para discutir soluções econômicas ou políticas para o país".

Sobre as questões que interessam à República, nada.

Em apenas duas sentenças genéricas afirma-se que a situação atual seria "resultante, principalmente, de escolhas erradas nas ações do Governo Federal", sem especificar quais, e que "o Brasil sofre uma das mais graves crises econômica, moral e política de sua história". Como se o PMDB não estivesse profundamente envolvido nela.

Pode-se argumentar que propostas substantivas da sigla estão contidas no documento "Uma ponte para o futuro", lançado pela Fundação Ulysses Guimarães em outubro passado. Ali se encontram expressas ideias de alguma consistência a respeito dos problemas atuais. Defende-se, por exemplo, "construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro" e "executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada".

Só que isso não difere do programa que o segundo governo Dilma procura realizar, mesmo ao preço de desgostar profundamente a sua própria base. Por que, então, abandonar uma mandatária acossada, que procura executar projeto idêntico? Silêncio.

Mesmo que parte da burguesia e da classe média tape o nariz para livrar-se de Dilma, o vazio em que nos precipita cobrará o seu preço.


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