Folha de S. Paulo


Jogo viciado

Pela segunda vez em 15 dias, o juiz Sergio Moro pratica atos juridicamente questionáveis, aparentemente movido pelo desejo imperioso de intervir na cena política. Caso tivesse se restringido ao papel de magistrado técnico, não teria autorizado a condução coercitiva de Lula nem a divulgação de escuta ilegal –feita fora do prazo devido– envolvendo a Presidência da República.

No primeiro caso, vistos os confrontos gerados pela detenção do ex-presidente, emitiu nota na qual lamentava que a sua decisão tenha levado a "confrontos em manifestações políticas inflamadas, exatamente o que se queria evitar".

Foi a primeira mancha sobre a atuação daquele que, na prática, lidera a Lava Jato. Mas, em lugar de aprender com a lição e recuar, dobrou a aposta na última quarta-feira.

Talvez movido pelo desespero de perder o domínio sobre a investigação contra Lula, Moro decidiu dar publicidade a diálogo telefônico em que Dilma Rousseff diz ao antecessor que lhe mandaria, onde estivesse, o termo de posse como ministro. Lida como prova de que a presidente tentava obstruir a Justiça por meio de uma espécie de salvo-conduto a Lula, a peça caiu como luva na movimentação a favor do impeachment.

A primeira ação causou conflitos pontuais e acendeu a suspeita. A segunda turva de ilegalidade a eventual aprovação do impedimento. Outra vez, Moro justificou com ligeireza o ato praticado, argumentando que também gravação do ex-presidente norte-americano Richard Nixon tinha sido publicada na década de 1970. A justificativa explicita modelo de ação calcado em caso clássico de renúncia para evitar o impeachment.

Se o açodamento de Moro ficou patente nas duas ocasiões citadas, não há como omitir, igualmente, o dos meios de comunicação. A pretexto de informar de maneira instantânea, amplificam e tornam fatos o que são apenas especulações ilegítimas. Na atividade jornalística, a checagem cuidadosa e responsável da informação é tão ou mais valiosa do que a velocidade.

Judiciário e imprensa parecem colocar lenha na fogueira dos que desejam interromper um governo constitucionalmente eleito. Pode-se contestar que o impeachment também é constitucional. Verdade, mas consumá-lo a partir de provas forjadas mediante abuso de poder equivale a tisnar a democracia.

O sistema de justiça e de mídia constituem estruturas de poder que precisam se manter equilibrados de modo a não distorcer o jogo político-partidário, cujo palco principal é o Parlamento. Nem o juiz nem os comentaristas podem decidir o flá-flu. Se insistirem, darão péssima contribuição neste que é o momento mais delicado da democracia brasileira desde o fim do regime militar.


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