Folha de S. Paulo


Desigualdade que não faz gênero

Numa hora em que ao aumento da desigualdade em geral somam-se ameaças específicas aos direitos das mulheres, nada mais oportuno do que apoiar o #AgoraÉQueSãoElas. Tenho a honra de abrigar, na coluna de hoje, a reflexão da economista Leda Paulani, professora titular de economia da Universidade de São Paulo.

"Os dados do último relatório sobre desenvolvimento humano publicado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostram o que facilmente se adivinha, mas é praticamente relegado: a desigualdade que envergonha o Brasil não é só de renda e de riqueza, é também de gênero.

O Brasil está classificado no segundo melhor grupo, o de países de alto desenvolvimento humano (sic). Muito longe porém dos indicadores de desigualdade de gênero (IDG) desses países, da ordem de 0,2 a 0,3, (quanto mais baixo, menor a desigualdade), o Brasil exibe robusto 0,44. Dos 53 países do grupo, apenas 8 têm IDG maior que o nosso.

Em resumo, o Brasil detém uma desigualdade de gênero vexatória, muito mais do que proporcional a seu desenvolvimento humano, por questionável que possa ser essa classificação.

Para citar poucas informações, o último Censo do IBGE (base 2010) evidenciou que, apesar do maior nível de escolaridade relativamente aos homens –maior nível de participação nos ensinos médio e superior, menor índice de evasão escolar–, a renda auferida pela metade feminina é, em média, 32% menor.

O mesmo Censo estampou que, entre 2000 e 2010, o número de lares chefiados por mulheres subiu de 25% para 39%; participação, aliás, que cresce à medida que cai a renda: quando o ganho per capita é de até meio salário mínimo mensal, a proporção de mulheres chefiando os domicílios sobe para 41%, chegando a 46% nas áreas urbanas.

Alguém tem dúvida sobre que gênero e faixa de renda mais sofrerão enquanto perdurar o austericídio fiscal?

Em entrevista recente, Luís Guilherme Schymura, diretor do prestigioso Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), insuspeito de esquerdismo, observou que convém perguntar a quem precisa do Estado se de fato é ele tão grande quanto vociferam os ideólogos do mercado. A pergunta deveria ser feita às mulheres, principalmente às pobres e batalhadoras, mas não é difícil adivinhar a resposta.

Neste momento em que temos de ir às ruas para nos defender da cunha sanguinária do baixo clero, fica evidente que onde deveria ser máximo (na saúde, na educação etc.), querem que o Estado seja mínimo, e onde deveria ser mínimo, respeitando e protegendo a liberdade da mulher, o Estado quer ser máximo."


Endereço da página: