Folha de S. Paulo


O pacote e o golpe

Pela terceira vez no ano, Dilma Rousseff logrou sair das cordas e, quando tudo parecia perdido, ganhar pequeno respiro para defender o próprio mandato e, quem sabe, reorganizar o governo.

O pacote de medidas econômicas apresentado na segunda deixa muito a desejar, sobretudo do ângulo dos trabalhadores, mas tem começo, meio e fim. Busca ponto intermediário entre as exigências neoliberais de austeridade máxima e a visão desenvolvimentista de que continuar o corte indefinido de gastos públicos vai arrebentar o país, como aconteceu com Espanha e Grécia, dois exemplos recentes.

Como a simbolizar o caráter salomônico da decisão, os valores foram divididos meio a meio. Metade do dinheiro para atingir a meta fiscal viria do corte orçamentário, e metade, de imposto a ser recriado nos moldes da antiga CPMF. Na comunicação, prevaleceu a mesma lógica: Barbosa apresentou os talhos que foi obrigado a aceitar, enquanto Levy defendeu o tributo cuja função é impedir que as suas mãos de tesoura alcancem mais longe.

Para os movimentos sociais, a proposta é inaceitável porque, no conjunto, representa aprofundamento do quadro recessivo, diminuição de aportes do Estado em áreas vitais, como saúde e moradia, além de perdas salariais ao funcionalismo. Já os empresários parecem ter se dividido perante a proposta que, no conjunto, atende aos reclamos do capital. Ironicamente, para quem acompanhou o primeiro mandato de Dilma, os banqueiros se mostraram mais conformes que os industriais.

As chances parlamentares do plano Barbosa-Levy são pequenas. Não obstante, permitiu à presidente fazer dois pontos na luta que trava contra o impedimento, cujo caráter golpista se evidencia na falta de motivo específico que o justifique. O primeiro foi mostrar que há governo. Pode-se desgostar do plano, como é o meu caso, pois acredito que não interrompe o desmonte das conquistas da última década, mas não se trata de proposta destrambelhada. A leitura da entrevista que concedeu ao "Valor" (10/9), evidencia que a presidente mantém o eixo.

O segundo ganho foi conquistar plataforma a partir da qual agregar forças para negociar com o Parlamento e, simultaneamente, resistir ao golpe em marcha. Apesar de ter base hoje pequena e fragmentada, a reaproximação de parcela do PMDB pode constituir o início de polo legalista. Permitiu que Dilma tomasse pessoalmente a frente do processo, o que, em regime hiperpresidencialista, faz diferença.

O mandato continua frágil, o país segue sem rumo estratégico e os trabalhadores em completa defensiva, mas Dilma obteve sobrevida.

É, de fato, resistente.


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