Folha de S. Paulo


Pacto à brasileira

Sinal de sociedade e política pouco desenvolvidas, os movimentos para possível acordo em torno da crise desenrolam-se nos bastidores, de maneira pouco visível. Aqui e ali aparecem manifestos criptografados. Mas algo se move.

O nevoeiro no qual se mexem os agentes decisórios favorece a irresponsabilidade. Não apenas no que diz respeito ao presente, mas também ao passado, cujo conhecimento permite pensar o futuro. Pelo que se depreende das parcas informações publicadas, tanto empresários quanto o governo percebem o estrago feito pelo ajuste fiscal. Só que ninguém assume a parcela de culpa que lhe cabe.

Com perdão da autorreferência, desde que comecei nesta coluna, há quase três anos, bato na tecla de que os ideólogos de inspiração neoliberal, com forte apoio no empresariado, pressionavam por ajuste recessivo que produzisse desemprego. Em 2013, escrevi: "Precisará o governo cortar o gasto até o osso, avalizar leis que reduzam o custo da mão de obra e demitir o titular da Fazenda para conquistar os capitalistas? Estará disposto a ir tão longe?" (Folha, 24/8/2013).

Estava. As consequências encontram-se à vista e, finalmente, o empresariado entrou em campo para salvar o mandato da presidente que fez o que pediam. Há ainda exigências na pauta, talvez referentes à terceirização, porém o essencial foi feito. O Brasil passa por recessão significativa, milhares de empregos foram perdidos, os salários caem.

Menciono o que publiquei para mostrar que mesmo um não economista anunciava há bastante tempo o que ia acontecer. Fernando Henrique Cardoso entende que Dilma precisa assumir os erros que cometeu. Modestamente, também acho que deveria fazê-lo, só que são os erros opostos.

Diz a sabedoria popular que não adianta chorar sobre o leite derramado. Então, olhemos para a frente. Se há convergência em torno da necessidade de encerrar o ciclo recessivo e programar a retomada, ótimo. Cada dia a mais desta política desastrosa representa perdas sociais e individuais que demoram a ser recuperadas. Algumas nunca o serão.

Trata-se, portanto, de negociar prazo, ritmo e condições para encerrar a recessão. O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, falava no sábado retrasado em voltar a crescer a partir de junho de 2016 (Folha, 8/8). Aos trabalhadores interessa apressar ao máximo a retomada. Mas já é um passo existir meta comum.

Pena que o Brasil não tenha alcançado o estágio em que as classes negociam abertamente. Os resultados seriam mais sólidos e garantidos. Na Alemanha, governo, patrões e empregados têm longa prática no assunto. Quem sabe, frau Merkel tenha deixado com Dilma dicas a respeito disso.


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