Folha de S. Paulo


Programa mínimo

Ao contrário do colega Contardo Calligaris ("Insultos, ideias e adesões", "Ilustrada", 23/10), estou convencido que há diferenças reais e relevantes entre as candidaturas Dilma e Aécio. Penso poder fazer um hiper-resumo da seguinte maneira: enquanto a primeira propõe mais Estado para proteger os mais pobres, o segundo acredita em mais mercado, o que favorece os mais ricos.

Porém, como expus na semana passada, campanha com o eleitorado dividido pela metade tende a aproximar os postulantes. Ambos convergem para o centro, onde se encontram os que, por estarem no meio, ficam indecisos entre as duas opções. Resulta daí uma série de propostas comuns que, se levadas a sério, poderiam trazer avanços líquidos, pois contaria com o apoio do perdedor.

Segue sugestão de pontos que qualquer dos possíveis vencedores do pleito de amanhã poderia encaminhar no dia da posse, em 1º de janeiro de 2015, em nome do consenso produzido pela competição.

1. Bolsa Família (BF). Dilma afirmou que o programa, "que nós consideramos o mais forte para reduzir pobreza e desigualdade", acabaria caso os adversários fossem eleitos. Aécio comprometeu-se a que o BF deixe de ser programa de governo para se tornar política de Estado. Então, aquela ou aquele que ficar com a faixa poderia encaminhar de imediato projeto ao Congresso, definindo o BF como um direito constitucional.

2. Salário mínimo. Dilma tem dito que não vai admitir "que o Brasil volte para trás" nessa questão. Aécio diz que autorizou o líder do PSDB na Câmara a assinar proposta que mantém a política atual de aumento real do SM de acordo com o crescimento do PIB de dois anos antes. Estender, por lei, a regra vigente até que o SM atingisse o patamar necessário calculado pelo Dieese (R$ 2.748,22 para janeiro 2014) poderia ser o segundo item enviado ao Legislativo por quem comandar o Executivo no primeiro dia do próximo mandato.

3. Fator previdenciário. Aécio se comprometeu a "encontrar uma fórmula para rever o fator previdenciário". Dilma assumiu o compromisso de criar uma mesa tripartite com trabalhadores, empresários e governo para negociar o assunto. A criação da instância proposta por Dilma poderia constar como terceiro item da mensagem inaugural.

4. Reforma política. Ambos afirmaram ser prioridade. A ou o presidente poderia enviar de imediato uma proposta irrecusável: a que tipifica o caixa dois como crime comum e não apenas eleitoral. Isso ajudaria a tornar exequível a proibição de contribuições empresariais, que o STF deve aprovar em breve.

A inclusão de medidas concretas no discurso de posse, em geral só retórico, faria jus a uma das disputas mais equilibradas e discutidas da ainda jovem democracia brasileira.

avsinger@usp.br


Endereço da página: