Folha de S. Paulo


Resistir ou avançar?

Nota-se, em meios de esquerda, certa perplexidade sobre a eleição vindoura. Há uma percepção crescente, embora difusa, de que, fracassadas as tentativas de relançar a economia, o país se encontra sob cerco do capital, tanto o globalizado quanto o brasileiro, e da direita tupiniquim, em uma conjuntura mundial cambiante.

Diante da situação delicada, tende a haver duas reações. A primeira se inclina a pensar que a potência reunida pelas forças sitiantes coloca em risco os avanços sociais alcançados de 2003 para cá. Logo, cabe uma postura defensiva, pois estariam ameaçados o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo, o pleno emprego, conforme mensurado pelo IBGE, e a contínua obtenção de ganhos reais nos dissídios coletivos.

Com efeito, assusta a crescente clareza usada tanto pelos formuladores quanto por representantes públicos do conservadorismo para falar do duro ajuste supostamente necessário em 2015. A ideia de "arrumar a casa" e partir para uma fase de aumento da "competitividade" à custa do valor do trabalho prenuncia tempos bicudos.

A segunda reação à esquerda acha que as melhorias alcançadas não são suficientes para justificar uma posição meramente defensiva. A explosão de insatisfação que percorre o país nos últimos meses seria o sinal mais visível de que a situação social está longe de ser boa, não justificando nem permitindo um entrincheiramento resistente. Seria necessário avançar.

Mais ainda, os que se inclinam na última direção acreditam que tentar ir adiante é um imperativo da dinâmica real já em curso. Procurar apenas resistir poderia significar, na prática, retroceder, pois não se conseguiria convencer as massas mobilizadas a ficar onde estão. Vale a imagem de que, uma vez a pasta de dentes tendo saído do tubo, não há como colocá-la para dentro de novo.

As dúvidas à esquerda lembram, por momentos, conversas que giram entre o copo meio cheio e o meio vazio. De um ângulo, houve melhoras efetivas na condição de vida de milhões de pessoas que valeria preservar. De outro, a condição da grande maioria é ainda bem distante da dignidade que se poderia com tranquilidade defender.

Como sempre, os dois lados estão parcialmente corretos: os avanços obtidos, inegáveis em si mesmos, representam pouco em face do tamanho da pobreza, da desigualdade e do caráter selvagem do capitalismo que se desenvolve no Brasil. Por isso, os próximos meses serão ricos em balanços, avaliações e análises. Convém que sejam feitos com o realismo necessário a qualquer ação política efetiva, mas também com a percepção de que a construção de alternativas depende de algum otimismo da vontade.

avsinger@usp.br


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