Folha de S. Paulo


Moral e política

Em que pese manter inalterada a essência da ação penal 470, na última quinta-feira o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) produziu alterações relevantes no cenário. De um lado, a decisão tomada naquele dia possui particular valor para a integridade mental dos petistas detidos. De outro, o discurso do presidente do STF, em resposta à deliberação dos pares, aponta para possíveis irradiações na eleição presidencial que se aproxima.

Ao votar a favor da absolvição no item formação de quadrilha, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Teori Zavascki, Cármen Lúcia e Rosa Weber, declararam que, embora tenham cometido crimes, os condenados não possuíam a referida atividade como objetivo em si. Não faria sentido, portanto, imaginar a criação de uma estrutura permanente para delinquir.

A maioria dos juízes referendou, assim, algo que está na base de certa defesa moral – não jurídica– dos dirigentes do PT presos no país. Em resumo, tal raciocínio admite que foram realizadas ações fora da lei –que, além do mais, seriam usuais no financiamento de campanhas no Brasil–, porém nunca houve propósito de benefício privado. Ou seja, se ilegalidade houve, seria para mudar os rumos nacionais.

É tal convicção que deve sustentar a resistência demonstrada pelos apenados na hora certamente mais dura de suas vidas: esta, de enfrentar a prisão em plena democracia. A força que os anima está em inexistir acusação de enriquecimento pessoal. Por isso, para além dos benefícios práticos que a absolvição no item específico trará, o efeito imediato se dá no plano da vontade. Vai crescer a disposição de manter a cabeça erguida, o que não é pouco em situação tão adversa.

Joaquim Barbosa acusou o golpe. Afirmou se sentir "autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria tem todo o tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora". Indiretamente, o relator convocou a população a se mobilizar contra os pares que deram alimento moral aos prisioneiros do Partido dos Trabalhadores. Difícil saber quanto há de impulso e de cálculo na reação daquele que liderou o processo.

Impossível prever, também, quais serão os próximos passos do ator. Mas não espantaria que no domingo, 5 de outubro, o nome dele aparecesse na urna eletrônica, com o objetivo de impedir a vitória em primeiro turno de Dilma Rousseff. O discurso já está pronto. Ao criar a tal "maioria de circunstância" que absolveu os quadros do PT, Dilma teria jogado no lixo a possibilidade de regenerar os costumes brasileiros.

O ministro tem até abril para se desincompatibilizar do cargo se quiser se candidatar. Serão semanas interessantes.

ANDRÉ SINGER escreve aos sábados nesta coluna.

avsinger@usp.br


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