Folha de S. Paulo


Tombada pelo Iphan, ladeira da Misericórdia sobe para lugar nenhum

Raquel Cunha/Folhapress
RIO DE JANEIRO - RJ 25.09.2017 - Marcio Virginio, 37, conhecido como pai Marcio de Baru tem um terreiro no bairro da Penha na zona norte do Rio de Janeiro. Há cerca de 1 ano e meio ele sofre com ataques a pedra e arremesos de comida estragada em dias de festa em seu terreiro de candomble. (Foto: Raquel Cunha/Folhapress, ESPECIAL) ***EXCLUSIVO***
Ladeira da Misericórdia, no Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO - Na semana passada, uma boa notícia para os cariocas, talvez a única, foi o tombamento da ladeira da Misericórdia. Era estranho que a mais antiga via pública da cidade e coração do Rio Colonial ainda não tivesse alcançado esse reconhecimento. E que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) tenha levado um tempo longo demais —63 anos de debates, pareceres, contra-argumentos— para decidir sobre sua candidatura.

As recentes intervenções urbanas na área —com a derrubada do elevado da Perimetral e a abertura da orla Prefeito Luiz Paulo Conde, entre o Museu Histórico Nacional e o Porto— pesaram a favor do tombamento, enfim aprovado por unanimidade pelos 23 conselheiros do Iphan.

Um dos primeiros logradouros surgidos com o gradual abandono do morro do Castelo como sede administrativa, o largo da Misericórdia abriga a Igreja Nossa Senhora de Bonsucesso, apontada como a mais antiga da cidade. Da ladeira da Misericórdia, que ligava o Castelo à várzea, ainda resta um trecho, de 40 metros de extensão, agora preservado. É uma ladeira que sobe para lugar nenhum. Aos olhos de quem anda ali, um lugar ao mesmo tempo belo e triste, com seu calçamento pé de moleque feito por escravos. Machado de Assis situou nela a ação inicial do romance "Esaú e Jacó".

O fim cruel do Castelo —primeiro com a construção da avenida Rio Branco, iniciada em 1904, e depois, em 1922, na administração do prefeito Carlos Sampaio, com seu desmonte total— destruiu nossa percepção espacial de que um dia existiu um morro de formato sinuoso, com altura de até 62 metros, ocupando uma área de 184, 8 mil m². Desapareceram a igreja e o colégio que formavam o complexo jesuítico e 4.000 pessoas ficaram desalojadas.

Se pudessem, alguns governantes dariam hoje o mesmo destino à Rocinha.


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