Folha de S. Paulo


Antes agitada e populosa, rua da Carioca hoje lembra um cemitério

Você se lembra do clipe: Chico Buarque está sentado numa mesa de bar antigo —o fictício Polytheama— e a cidade se descortina diante de seus olhos cor de ardósia. Trajando vistosa camisa de gola rulê, Chico suspira, fuma um cigarro, bebe uma taça de vinho, come uma pera, ri às escâncaras, enquanto escreve a letra da canção "Carioca". Canta: "Gostosa, quentinha, tapioca/ O pregão abre o dia".

O cenário exterior, filmado através de um espelho falso, é a região entre a rua da Carioca e a praça Tiradentes, trecho da rua Ramalho Ortigão, imediações da igreja de São Francisco de Paula. Ao contrário do que narra a música, o povaréu não é nada sonâmbulo: está em movimento, esperto, agitado. Uma moça sai do carro falando no celular e exibindo belas pernas, um homem carrega um burro-sem-rabo, outro prega a Bíblia para os transeuntes, um tiozinho confere a elegância no reflexo da vitrine.

Em preto e branco, o filme tem direção de José Henrique Fonseca, Arthur Fontes e Fábio Soares. Foi rodado em 1998, para o lançamento do disco "As Cidades". O mesmo espaço urbano, hoje, não serviria como locação, a não ser que fosse povoado com hordas de figurantes. O Centro do Rio está cada vez mais vazio.

A rua da Carioca exibe as maiores baixas. Nela, 18 casarões do lado ímpar, que pertenciam à Venerável Ordem Terceira da Penitência, mudaram de mãos e, desde 2012, têm os aluguéis administrados pelo banco Opportunity. Na prática, isso representou uma condenação. Vinte e cinco lojas já fecharam. A última, o restaurante Cataroca, ficava ao lado do Bar Luiz e não aguentou pagar R$ 15 mil mensais.

Em entrevista à coluna "Gente Boa", do "Globo", Roberto Cury, presidente da Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca e Adjacências, comentou: "A rua está parecendo um cemitério". Mal-assombrado.


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