Folha de S. Paulo


A vida como ela é nos porões do Palácio do Jaburu

Ueslei Marcelino/Reuters
Brazil's President Michel Temer reacts as he speaks at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, May 18, 2017. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: BRA103
O presidente Michel Temer

RIO DE JANEIRO - O único ponto positivo do famoso áudio é que, ao tratar com o cupincha na calada da noite, o presidente mostra-se quase humano: tartamudo, balbuciante, rolando-lero. Enfim abandona a retórica vazia e as mesóclises contorcionistas de seus pronunciamentos oficiais.

A conversa às escondidas —no porão do Palácio do Jaburu, no mínimo um lugar estranho para receber um empresário investigado nos desdobramentos da Lava Jato— é uma espécie de vida como ela é do poder no Brasil atual. Num trecho, em que o assunto é o preso Eduardo Cunha, Temer —tão zeloso de seu vocabulário e inimigo do chulo— usa a palavra trutar. Ato falho? Truta, na gíria, é negócio fraudulento, negociata.

Revelada na deleção do corruptor Joesley Batista, ainda melhor é a senha para referir-se ao cala-boca em dinheiro dado a Cunha. Respira-se o odor da deduragem em puro coloquial dos esgotos: "Tá dando alpiste pros passarinhos? Passarinhos estão tranquilos na gaiola?".

Tão logo a bomba caiu na quarta-feira (17), o escritor argentino Martín Caparrós, num misto de inveja e ironia, disparou no Twitter: "As leis à brasileira para premiar arrependidos são uma verdadeira delícia: põem os ratos a moderem-se entre si, para o bem de todos". Temer também falou em roedores, adotando o tom bilioso de suas recentes declarações: "A montanha pariu o rato". A expressão, salvo engano de origem portuguesa, indica uma pessoa ou situação que prometeu muito e cumpriu nada.

No entanto, rato é pouco, diante do que a nova crise tem revelado e ainda pode revelar e destruir. Estamos vivendo uma praga de ratazanas, daquelas cinzentas, gordas e rebolativas, de focinhos úmidos e olhos inflamados de sangue. Confortáveis em seu ninho político, devoram o país a dentadas. A rataria já é bem maior do que a montanha, senhor presidente.


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