RIO DE JANEIRO - Centenário bom é centenário com novidades. O de Antonio Callado, que transcorre este ano, está repleto delas: um documentário de Emília Silveira, uma coletânea de crônicas políticas, a descoberta de peças teatrais inéditas escritas para o serviço brasileiro da BBC durante a Segunda Guerra. Sua correspondência, guardada na Fundação Casa de Rui Barbosa, poderá ser reunida em livro.
Sua obra romanesca, com a qual o escritor quis entender "o atoleiro em que o Brasil se meteu", segue firme nas livrarias. Chamo a atenção para seu último romance, "Memórias de Aldenham House" (1989). Sem largar a obsessão política, é um delicioso entretenimento, que mistura um assassinato à Agatha Christie ao impenetrável "Finnegans Wake" de James Joyce, a cuja tradução se dedica umas das personagens. Só o Callado, que Nelson Rodrigues chamava de "o único inglês da vida real", para bolar essa equação.
E só mesmo o Callado para, depois de 37 anos de labuta no jornalismo, aposentar a máquina alemã, uma Erika semiportátil, e resolver escrever à mão, com canetas esferográficas em cadernos espiralados. O plano era, a partir dali, só escrever ficção. Adota estranha mesa, com a qual passa a ter uma relação fetichista. Uma peça com pés de metal, dobrável, com alavancas ajustáveis de altura, que carrega de um canto a outro do apartamento no Leblon, à procura do melhor lugar para ir tomando notas, de maneira bem devagar.
Esse processo representou uma guinada estilística: "Reflexos do Baile" (1976) e "Sempreviva" (1981) têm frases longas e rebuscadas (sobretudo belíssimas) que violam a sintaxe padrão; diversas vozes narrativas; uma aparente falta de coesão e sentido na trama.
Aguardo o dia em que uma acadêmica há de redigir a seguinte tese: "O Método da Mesa Aplicado a Dois Romances de Antonio Callado".