Folha de S. Paulo


O dia em que Carlos Alberto Torres virou o Hulk

RIO DE JANEIRO - Carlos Alberto Torres foi um dos maiores laterais de todos os tempos, autor da última pincelada no quarto gol do Brasil na final da Copa de 1970, um carioca da Vila da Penha cheio de picardia. Foi também um jogador de estilo viril (o ponta inglês Francis Lee que o diga) — e um cara brigão.

Em 1994 — época em que os jornalistas ainda tinham acesso aos vestiários, lado a lado com jogadores no chuveiro ou com toalhas amarradas na cintura — entrei no estádio Ítalo del Cima e vi o Carlos Alberto Torres lá no fundo. Técnico do Fluminense, ele vivia um mau momento, com sucessivas derrotas e a ameaça de perder o emprego. Naquele dia, porém, o tricolor jogara bem e vencera o Campo Grande por 5 a 0 — o centroavante Ézio fazendo a festa com os passes nojentos do meia Luís Antonio.

Carlos Alberto estava brigado com a imprensa, a quem atribuía um complô para derrubá-lo. Antes que eu pudesse abrir a boca, me acusou: "Você está no esquema". Tomou-se de fúria e veio em minha direção: "Vai se ferrar!". Dei cinco passos para trás e retruquei: "Vai se ferrar você!". Ele prosseguiu, ficando verde como o Hulk: "Vai chupar caju!". Dei mais dez passos para trás: "Vai chupar caju você!". Os termos da discussão não foram bem estes, mas...

Em nossa dança de caça e fuga, chegamos aonde ficavam os armários de alvenaria. Foi minha sorte. O lateral Branco, que trocava de roupa, comprou o barulho: "Calma, capitão", falou alto e me levou pelo braço até a saída.

Com mais um revés no jogo seguinte, Carlos Alberto foi demitido. Deixei a editoria de esportes do "Jornal do Brasil", e nos perdemos de vista. Até que entrei no elevador da "Manchete", e ele estava lá, sozinho. Gelei, mas comecei a dizer: "Capita, naquele dia...". Me cortou na hora: "Esquece, garoto. É só futebol".


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