Folha de S. Paulo


O país da tornozeleira

RIO DE JANEIRO- No Brasil todos serão presos por 15 minutos. Ou — em outra variação paródica da manjada frase de Andy Warhol sobre a fama — no Brasil todos terão 15 minutos de cana.

Que o diga o Japonês da Federal. Em mais uma piada pronta, gênero menor de humor no qual o país está se especializando, chegou a hora do policial federal Newton Ishii, celebridade instantânea por aparecer, em operações da Lava Jato, conduzindo a turma para a cadeia. Mesmo investigado por contrabando desde 2003, virou boneco de Olinda, marchinha e máscara de Carnaval e motor de brincadeiras na internet. Foi sobretudo tietado, em fotos ao lado de personagens tão ou mais suspeitos do que ele.

Mas o Japonês é peixe pequeno se comparado à saia justa em que se movem o ex-presidente José Sarney, o presidente do Senado, Renan Calheiros, o senador Romero Jucá e o deputado afastado Eduardo Cunha — todos do PMDB, todos acusados (exceto Cunha) de conspirar contra a Lava Jato e todos com a liberdade nas mãos do Supremo Tribunal Federal. O pedido de prisão dos caciques feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, instalou a sensação de que todo mundo corre perigo. Daí o esquema de autoproteção que já começou a funcionar em Brasília. Se a maré continuar a subir, a onda poderá bater às portas tanto do presidente interino Michel Temer quanto da presidente afastada Dilma Rousseff. Lula é um gato escaldado, pois experimentou o gosto da condução coercitiva.

O doutor Simão Bacamarte quase botou a população inteira de Itaguaí presa no hospício — até trancar-se sozinho dentro dele. E, nas piores (que podem ser as melhores) histórias de ficção científica, é comum a transformação de países em prisões, 200 milhões de detentos usando tornozeleiras eletrônicas. Brasil, país do futuro distópico.


Endereço da página:

Links no texto: