Folha de S. Paulo


Bolas brancas e pretas

RIO DE JANEIRO - Clubes chiques sofrem de uma estranha enfermidade: alergia a babás. Se você teve uma, e ainda se lembra dela com carinho e ternura, fazendo e dando comida, preparando banho, levando para escola, brincando e dando bronca, contando histórias, ninando na hora de dormir — esqueça. Elas são uns monstros que, para melhor identificação da sociedade, devem se vestir sempre de branco. Só assim os clubes toleram sua presença, de uniforme imaculado. O fato de muitas serem negras não deve fazer nenhuma diferença.

Semana passada veio à tona que o Country Club, em Ipanema, não permite que elas entrem no banheiro. Você não leu errado: é banheiro mesmo. A placa avisa: babás só podem usar o das crianças, e quando estão acompanhadas delas. Na reportagem de "O Globo", uma sócia justificou: "Não tenho preconceito, mas as babás não necessariamente são pessoas educadas. Elas não vão puxar a descarga ou deixar o banheiro limpo".

Enclave na avenida Vieira Souto, o Country é o mais fechado clube do Rio. O sistema de exclusividade (e de exclusão, sabe-se agora) distribui bolas pretas para afastar os mortais. O governador Francisco Dornelles não perde um fim de semana à beira da piscina, na certa matutando uma saída para o rombo de R$ 18 bilhões nos cofres do Estado. Bem que ele podia interceder em favor das babás. Afinal, o xixi devia ser sagrado.

No sábado (28) foi a vez de uma mulher acusada de injúria racial, no Leblon. Gritou para um gerente de supermercado: "Volta para sua senzala". Da boca cheia de insultos, ainda saiu uma desculpa esfarrapada: "Olhem as senzalas das telas de Debret. São exaltações à raça negra". Mas não teve jeito: a crítica de arte sem noção foi parar na cadeia.

A lógica perversa do "nós" e do "eles", das bolas brancas e das bolas pretas, continua uma instituição.


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