Folha de S. Paulo


Todo diplomata brasileiro tem de conhecer o Brasil

Muita gente, ao saber que sou diplomata, acaba me confidenciando que, em algum momento da vida, pensou em seguir carreira na diplomacia.

A carreira diplomática exerce mística sobre as pessoas. Mas é uma escolha profissional difícil. Primeiro, as vagas são poucas. Este ano, o Instituto Rio Branco –órgão do Ministério das Relações Exteriores responsável pelo recrutamento e formação dos diplomatas no Brasil– ofereceu 30 vagas (das quais 2 para pessoas com deficiência e 6 para afrodescendentes) em seu concurso público.

Segundo, porque a vida no exterior –intrínseca à diplomacia– pode ser emocionalmente complicada. Não é todo mundo que aguenta passar a vida em exílio voluntário, mudando de país, língua e cultura de três em três anos, sendo o eterno estrangeiro, longe dos amigos e familiares no Brasil.

Na ONU, onde há diplomatas de todos os países trabalhando lado a lado, percebe-se que, a despeito das diferenças culturais que os separam, existe entre eles um ponto comum: todos tentam resolver o paradoxo de ter de representar um país no qual não se encontram.

Nesse processo, existe o risco de alienação. Há diplomatas que perdem o contato com a realidade. No exterior, se você permitir, a realidade do seu país pode tornar-se uma imagem distante.

É tentador para os diplomatas viverem em um mundinho à parte, protegido, igual em qualquer lugar em que se more. O problema é que isso é antidiplomacia.

No bar de um hotel em Nova York, um correspondente internacional me conta que nos dias seguintes ao terremoto no Haiti, um embaixador cujo país não vale revelar o chamou para jantar em sua residência. A despeito da calamidade que se instalara em Porto Príncipe, o jantar foi servido por garçons de luvas brancas. O mundo acabava lá fora e Maria Antonieta recebia seus convidados para brioches.

Diplomatas bem formados não ignorariam as contingências de sua realidade histórica, porque essa é a matéria-prima de seu trabalho.

No tempo da chamada diplomacia "ativa e altiva", do governo Lula, ampliaram-se as vagas oferecidas anualmente pelo Instituto Rio Branco. Para ocupar as novas embaixadas que se abriam, o Brasil precisava de braços.

Entre 2006 e 2010, 500 novos diplomatas ingressaram na carreira. De cerca de 1000, tradicionalmente, o serviço exterior brasileiro passou a contar com cerca de 1600 diplomatas. Os mentores dessa ampliação não se preocuparam com detalhes práticos como as salas e os equipamentos que os novos funcionários ocupariam. Tampouco se preocuparam com o impacto orçamentário ou com os efeitos desse influxo sobre o andamento da carreira. A impressão que ficou foi que Lula ampliou o Itamaraty para Dilma humilhá-lo.

Os mais vulneráveis ao assédio moral da ex-presidente foram os jovens diplomatas recém-ingressados, que tiveram sua formação e seu sentido de possibilidade profissional comprometidos pela desinteligência e pelo garrote orçamentário imposto por Dilma.

Um dos maiores prejuízos à formação dos diplomatas foi a suspensão de uma viagem de estudos pelo Brasil que se realizava anualmente, na qual, com o apoio das Forças Armadas, percorriam o país que iriam representar.

Foi assim que conheci Ijuí, no oeste gaúcho, e Cucuí, no norte amazonense (sem contar Belém, Foz do Iguaçu, Natal, Curitiba, Teresina...). Na minha formação como diplomata, as viagens pelo Brasil infundiram, como nenhuma outra experiência, perspectiva e sentido profissional.

Diplomatas personificam e traduzem seu país no exterior. Para tanto, precisam conhecê-lo. Esse conhecimento é um instrumento de trabalho. As viagens de estudos do Instituto Rio Branco deveriam ser retomadas, porque a melhor maneira de conhecer a realidade brasileira –a que se representa no exterior– é aí no próprio Brasil.


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