Folha de S. Paulo


Terrorismo homofóbico

Minha secretária em Tóquio trouxe-me o convite: "O embaixador dos Estados Unidos da América tem o prazer de convidá-lo para uma recepção em honra ao mês do orgulho LGBT". Fiquei surpreso. Em mais de vinte anos de carreira diplomática, era a primeira vez que aquilo acontecia. Eu nunca tinha recebido um convite semelhante.

Na recepção, o embaixador fez um discurso e falou sobre a importância da igualdade e do compromisso do governo Barack Obama com o combate global à discriminação contra LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). Entre os convidados —umas cem pessoas—, uma deputada transgênero japonesa, ativistas de direitos humanos, autoridades do governo local e diplomatas estrangeiros, como eu.

Isso foi em junho de 2012. Desde então, esse apoio do governo americano à igualdade cresceu. Obama tornou-se um dos advogados mais comprometidos e poderosos na defesa global das minorias sexuais.

Além de apoio oficial aos ativistas, em 2015 o Departamento de Estado norte-americano criou o cargo de enviado especial para direitos humanos das pessoas LGBT, cuja missão é consolidar internacionalmente a ideia de respeito aos direitos humanos das minorias sexuais. A defesa dos direitos LGBT virou tema oficial de política externa.

Há pessoas que acham que homofobia não existe, que se trata de uma invenção dos homossexuais para chamar a atenção. Não enxergam que o ódio aos LGBT não apenas existe, como faz vítimas, e que, neste momento, tem gente presa por ser gay, gente executada por ser lésbica, gente torturada por ser transgênero.

Para quem achava que homofobia era algo abstrato, o atentado que eliminou e feriu várias dezenas de pessoas congregadas em uma boate gay em Orlando talvez tenha colocado as coisas em termos mais concretos.

Orlando deu cores e contornos visíveis à homofobia. Mostrou que os gays assassinados na boate são parte do tecido social: têm nome, família e amigos, que, na guerra dos americanos contra o terrorismo, foram a vítima da vez, morreram em nome de todos.

Em sua associação com o terrorismo fundamentalista, a homofobia evidenciou seu aspecto letal e desprezível. Isso deverá enfraquecer o discurso de desumanização que o fundamentalismo religioso —nos EUA e no Brasil— tenta impingir à comunidade LGBT.

O atentado também mostrou o homofóbico como ser desequilibrado, que, no extremo, pode entrar em uma boate e executar 49 pessoas em nome de Deus.

Há quem ache que o fato de as vítimas serem majoritariamente gays não é relevante, que não se trata de crime homofóbico. Comparo essa opinião à de quem diria que negros não são vítimas de racismo porque são negros, ou de quem nega que judeus são alvo primordial do antissemitismo.

Muitos países caracterizam atos homossexuais como "crimes contra a natureza". A diplomacia de Barack Obama combate essa noção e tenta mostrar que o verdadeiro crime contra a natureza é a homofobia, que nega direitos humanos a que os tem.

As vítimas de Orlando só foram atacadas porque eram gays ou simpatizantes. Minimizar a motivação homofóbica dos atentados é roubar-lhes a identidade, empurrá-las de volta a uma invisibilidade que elas e seus amigos já não aceitam mais.


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