Folha de S. Paulo


Errou feio

Pedro Ladeira - 12.mai.2016/Folhapress
O presidente em exercício, Michel Temer, discursa depois da posse dos ministros na quinta-feira (12)
O presidente em exercício, Michel Temer, discursa depois da posse dos ministros na quinta-feira (12)

"Não basta que a mulher de César seja honesta, é preciso que pareça honesta." Parto desse ditado machista —a propósito de Pompeia, mulher do imperador romano Julio César—, para comentar a inacreditável pisada de bola do governo Michel Temer ao não incluir mulheres ou minorias em seu gabinete ministerial.

Perguntas que não querem calar: em qual país do mundo essa ausência de mulheres seria aceitável? Estatisticamente, qual a probabilidade de que não haja negros no ministério de um país com quase metade da população negra?

Você teria simpatia por esse país, que exclui mulheres e minorias do comando político? Você gostaria de visitá-lo nas férias? Compraria produtos vindos de um lugar tão tosco e atrasado?

Esse país é o nosso.

O passo em falso causou dano feio à imagem do Brasil. Como explicar ao mundo que um governo é legítimo e bem-intencionado quando ignora um princípio de representação tão básico como o equilíbrio de gênero?

Alguém se lembrou de que o Brasil é o atual presidente da Comissão da Situação da Mulher na ONU? Como justificar à comunidade internacional tal despautério?

Todo gabinete ministerial tem caráter simbólico. Deve representar as forças políticas e os valores do país. Ao excluir mulheres e minorias, o recado do governo parece claro: vocês não fazem parte, vocês não terão voz.

Com a formação atual de seu ministério, o Brasil se afasta do mundo civilizado. O diálogo internacional entre países democráticos exclui quem dá mostras de discriminação. Se o Brasil quiser mesmo virar a página e se engajar com o progresso, esse gabinete vai ter de mudar.

Na sanha de dividir o butim do governo, os partidos desconsideraram a existência de mais da metade da população brasileira. Toda a contribuição econômica e o peso político da mulher e das minorias foram menosprezados. Trata-se de um erro político básico e de enorme repercussão.

Sabe-se que o ministério foi montado de forma açodada para refletir o equilíbrio de forças que apoiou a saída de Dilma. No processo, os membros do Legislativo se apoderaram do Executivo, esquecendo-se de que os cargos que ambicionam têm finalidade substantiva e requerem capacitação específica de quem os ocupa. Não basta ser manda-chuva de partido.

Partidos políticos não podem ser representados apenas por deputados e senadores. Devem ter quadros qualificados, capazes de formular e levar a cabo, com conhecimento técnico e eficiência, as políticas públicas do Executivo. Do contrário, é desgoverno.

"Os partidos não indicaram mulheres", justificou o Planalto, que já entendeu o erro feio que cometeu. Falta entender, no entanto, que indicações tardias de mulheres para cargos de segundo escalão em nada resolverão o problema.

O que o governo deve fazer agora é vestir as sandálias da humildade e reconhecer e corrigir seu erro, incluindo no gabinete mulheres, negros e representantes da diversidade nacional.

Não é possível que o governo se mostre excludente num momento em que o país precisa tanto de união. Cabe ao presidente fazer ver ao Congresso que seu comportamento anacrônico é inaceitável e deletério para a sociedade brasileira. Aos que julgavam ser possível ignorar mulheres e minorias, fica um conselho: melhor reavaliar.


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