Folha de S. Paulo


As empresas e a discriminação

Tenho um amigo muito bem sucedido profissionalmente. É executivo em um grande banco. Tem bom salário, bônus, carro, e sua capacidade de trabalho é reconhecida por todos.

Esse meu amigo é gay. Tem um companheiro há vinte anos, mas ninguém na empresa dele sabe disso. Ele não permite que ninguém do ambiente de trabalho se aproxime de sua intimidade doméstica. Quando o convidam para algum compromisso fora do ambiente de trabalho, ele acaba dando um jeito de não ir.

Pergunto-lhe por que ele não se assume e sai do armário, e ele me responde que tem medo —esse meu amigo é medroso— de que o discriminem, ou, pior ainda, de que o demitam. Às vezes, contam piadas de viado perto dele, mas ele finge que não escuta. Ele é arrimo de família. Compreende-se.

A situação desse amigo me remeteu a um artigo publicado na revista New Yorker sobre o papel crescente das grandes empresas na luta por justiça social nos Estados Unidos. O autor do artigo, James Surowiecki, aponta o caso dos direitos LGBT.

Desde o ano passado, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado nacionalmente, 25 Estados norte-americanos apresentaram mais de 100 projetos de lei limitando direitos LGBT.

Sob o argumento de proteção à liberdade religiosa, legisladores dos Estados da Carolina do Norte, Georgia e Mississippi, entre outros, aprovaram recentemente leis que tornariam legal a discriminação contra minorias sexuais.

As grandes empresas reagiram.

Executivos de mais de 80 delas (Apple, Pfizer, Microsoft, entre outras) assinaram petição ao governador da Carolina do Norte solicitando o veto à lei discriminatória. Deutsche Bank e Paypal, por sua vez, ameaçaram cancelar a expansão de negócios no Estado.

Em Dakota do Sul, o governador também vetou legislação contra LGBTs por pressão do Citigroup e do Wells Fargo, e, na Georgia, os Estúdios Disney ameaçaram interromper a produção local de filmes. No Arkansas, foi a vez da Walmart dizer não à legislação discriminatória. Em todos esses casos, as moções legislativas foram vetadas ou interrompidas.

As empresas não fizeram isso por bondade. No caso do Mississippi, Pepsi, GE e Dow declararam considerar a discriminação "ruim para os funcionários (LGBTs) e ruim para os negócios".

Nos EUA, entre consumidores nascidos a partir de 1981, mais de 70% são a favor de direitos iguais para LGBTs. Nesse grupo, tem poucos xingamentos mais estigmatizantes que "homofóbico". É desses consumidores que o futuro das empresas depende. É essa geração que as empresas querem conquistar.

No último fim de semana, Jorge Paulo Lemann , que sabe das coisas, disse em Boston —de onde eu escrevo— que a desigualdade é prejudicial ao Brasil. Quando Lemann fala de desiguldade, quero crer que não seja só de desigualdade de renda.

Empresários, se vocês acham que, no Brasil, é diferente, pensem de novo, analisem melhor. Eu sofria bullying na escola, e hoje minha sobrinha em Fortaleza tem colegas abertamente gays no ensino médio.

Associem as marcas de suas empresas à luta pela justiça social e ajudem o Brasil a se tornar um país melhor —inclusive para os seus balanços contábeis.


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