Folha de S. Paulo


Existe um mundo lá fora

O mundo não entende muito o Brasil. Nossa identidade nacional sempre foi um pouco confusa para o estrangeiro médio: país rico ou pobre? branco ou negro? paradisíaco ou infernal?

A aprovação do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados no último domingo (17) trouxe um elemento adicional a essa confusão: democracia pujante ou governo golpista?

A dúvida é compreensível —para estrangeiros e brasileiros. Há indícios de que a presidente cometeu crime de responsabilidade. Contudo, quando se vê a alegria de políticos como Eduardo Cunha e outros acusados de corrupção com o impedimento da presidente, é impossível não pensar que, se Cunha comemora, não deve ser boa coisa para o Brasil.

Enchemos o peito para dizer que somos um país pacífico, que não nos envolvemos em conflitos internacionais. Mas, como em tempos de guerra, vivemos sob grande incerteza. O país se sente mal, tem náusea.

Em tempos de incerteza, indicações podem ser enganosas. Por isso, o respeito às instituições é fundamental. A legalidade tem de ser observada estritamente, e todo ato criminoso de autoridades deve ser investigado e punido. O papel do povo e da sociedade civil é pressionar para que isso aconteça.

Agora, só nos resta aprender com nossa tragédia para não repeti-la. As crianças não vão parar de crescer. Temos de recuperar o país, utilizando da maneira mais eficiente os recursos de que o Estado brasileiro dispõe. A política externa, que foi subestimada e abandonada no governo Dilma, é um desses recursos.

Dilma nunca deixou claro qual papel queria que o Brasil tivesse no mundo. Talvez nem ela soubesse. O custo dessa indefinição foi alto. Perdemos investimentos, credibilidade e influência.

Seu sucessor não poderá se dar a esse luxo.

Terá de refletir estrategicamente sobre as possibilidades e os objetivos do país do mundo. A situação econômica recomenda que essa reflexão considere o papel do comércio exterior na equação da retomada econômica que se implementará. Nesse contexto, será importante que os ministros da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e da Agricultura trabalhem em estreita coordenação com o das Relações Exteriores.

O ambiente internacional é desfavorável, seja porque Europa, Estados Unidos e China têm suas próprias crises com que se preocupar, seja porque a imagem do Brasil no mundo está queimadíssima. Para complicar o quadro, no contexto latino-americano, os Secretários-Gerais da Unasul e da OEA desafiam abertamente a legalidade do processo de impeachment brasileiro, chamando-o de "golpe contra a democracia".

As dificuldades do cenário internacional tornam a expertise dos diplomatas ainda mais valiosa. Mas é importante que o Itamaraty faça uma autocrítica e se renove. Depois dos anos Dilma, em que sofreu assédio moral constante e viu seu orçamento desaparecer, é necessário que o Ministério das Relações Exteriores finalmente supere a depressão institucional em que se encontra e mostre a contribuição que é capaz de prestar.


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