Folha de S. Paulo


Olhe para o seu rabo, macaco

Tenho uma amiga que critica todos de sua família: "Minha mãe é uma chata, meu pai é um egoísta, meus filhos enchem o saco, e eu não aguento mais minha tia", já a escutei dizendo.

Mas basta que alguém de fora do ambiente familiar teça qualquer critica ou opinião negativa não solicitada, que ela reage fortemente. "Eu falo mal de minha família, mas não quero que outros falem. Eu posso. Você não", é o que diria minha amiga.

Eu sinto o mesmo em relação ao meu país. Detesto quando estrangeiros, mesmo amigos, criticam o Brasil. Quando isso acontece, a depender do grau e tom da crítica, fecho o tempo e a cara, para deixar claro que não estou apreciando o rumo da conversa.

Alguns desses estrangeiros se dão conta e mudam de assunto, outros não. Quando isto acontece, respondo rispidamente, lembrando ao interlocutor que não existe paraíso na terra, nem nos países de que eles provêm.

Já tive de falar da miséria e do crime que pululam nas ruas de Detroit ou do abandono e da discriminação que se observam nas periferias de Paris. Em geral, funciona.

Alguns julgarão minha reação excessiva e dirão que ela denota dificuldade em aceitar críticas. No entanto, tenho consciência de que as pessoas têm o direito de criticarem o que quiserem.

Como dizia um antigo professor meu na faculdade de direito: "a liberdade é livre" ou, ainda, como cantava Raul Seixas, "faça o que quiseres pois é tudo da lei".

Com base nessa racionalização, ainda que a contragosto, consigo admitir que um estrangeiro emita opiniões negativas sobre o Brasil, mas em capacidade pessoal, jamais oficialmente, em discursos de governo.

Nos anos em que trabalhei como diplomata, sempre reagi firmemente a qualquer tentativa nesse sentido, ainda que pudesse, talvez, reconhecer algum fundamento nas críticas.

9.mar.2016 - AFP
Nicolás Maduro (centro), seu vice, Aristobulo Isturiz (esq.), e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino
Nicolás Maduro (centro), seu vice, Aristobulo Isturiz (esq.), e o ministro da Defesa, Vladimir Padrino

Na semana passada, o presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, meteu-se a criticar o processo político brasileiro. Emitiu nota patética e propôs mobilização latino-americana contra o que chamou de "golpe" contra a presidente Dilma Rousseff.

Entre os governantes mundiais, o conceito do presidente Maduro é péssimo.

Sob seu governo, a inflação disparou, instalou-se crise de abastecimento e a criminalidade é uma das mais altas do planeta.

Parece familiar? Pois bem, as similaridades não param aí: tanto ele quanto Dilma foram alçados ao poder pela força política de líderes carismáticos que os antecederam.

Ambos envergonham o país que representam. Destruíram o bom legado que receberam dos antecessores e, agora, procuram bodes-expiatórios para sua inépcia e miopia política. É de se esperar que se apoiem.

As credenciais democráticas do governo de Nicolás Maduro —que mantém presos políticos, manipula o Judiciário e instrumenta o Legislativo para se perpetuar no poder— são no mínimo discutíveis.

Por isso, presidente Maduro, morda a língua para falar de meu país. Fique quieto no seu canto, compungido. Procure entender como foi que, sob sua liderança, seu país afundou. Não creio que chegará a qualquer conclusão satisfatória, mas, pelo menos, tente.

Não temos nada a aprender com você, a não ser por contraexemplo.

Hoje, a Venezuela só nos mostra o que não queremos ser. Vá procurar estocar os supermercados e melhorar as condições de vida da sua população, que é o que lhe cabe fazer.

Vá cuidar do seu país, que ele está precisando. Deixe o nosso em paz.


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