Folha de S. Paulo


Lei do foie gras é bem intencionada, mas desnecessária

Certas aves migratórias, como patos e gansos, acumulam reservas alimentares antes de migrar. O fígado é um dos órgãos no qual estocam alimentação sob a forma de gordura. A indústria do foie gras se aproveita desse mecanismo.

Foie gras ("fuá grá") é o fígado de patos e gansos engordado artificialmente para fins culinários. Para produzi-lo, a ave é alimentada à força, por aproximadamente duas semanas, cerca de três vezes ao dia. A cada vez, injeta-se goela abaixo do bicho a quantidade que comeria espontaneamente depois de 24 horas em jejum.

Dário Oliveira-24.jun.15/Código19/Folhapress
A Sociedade Vegetariana Brasileira e outros grupos pró-direitos dos animais protestam contra o foie gras diante da Prefeitura de São Paulo
A Sociedade Vegetariana Brasileira e outros grupos pró-direitos dos animais protestam contra o foie gras diante da Prefeitura de São Paulo

No momento do abate, o fígado está até dez vezes maior que o normal. A mortalidade das aves no período de engorda é até 20 vezes mais alta que a média.

O foie gras é considerado patrimônio cultural e gastronômico da França, e sua indústria movimenta milhões em vários países anualmente. O problema é que, por conta do processo de alimentação forçada, sua produção é considerada especialmente cruel.

No último dia 25, o prefeito Fernando Haddad sancionou lei que torna ilegal a produção e comercialização de foie gras na cidade de São Paulo. A ideia é combater o tratamento cruel dos animais. Filosoficamente, traduz a preocupação moral de que seres humanos são responsáveis pelo bem-estar das outras espécies; desafia a noção de que os animais existem como objetos para serem utilizados pelo homem.

Eu concordo com o prefeito. Acredito que a espécie humana têm de tratar as demais de forma ética, levando em consideração que todos os seres vivos se igualam no sofrimento. Uma espécie se alimenta de outra na luta pela sobrevivência: isso é instinto. Mas acho que o sofrimento desnecessário dos animais abatidos tem de ser evitado.

Todas as manhãs, alimento minhas cachorras. Assim que notam que é hora de comer, ficam atrás de mim, abanando o rabinho até que eu dê o que elas querem. Quase todos os animais fazem isso, até os peixes; mas não os patos e gansos nas fazendas produtoras de foie gras.

Um relatório da Comissão Europeia a respeito nota que esses animais tendem a fugir da pessoa que os alimenta. Foi quando soube disso que decidi não comer mais foie gras.

A gordura no fígado (esteatose hepática) têm como sintomas desconforto abdominal, náuseas e mal-estar geral. Humanos não gostam de sentir isso. Animais tampouco.

No entanto, ainda que correta no princípio, a lei do prefeito é redundante. Desde 1934, existe lei federal que proíbe a alimentação mecânica de aves. Para evitar a crueldade, bastaria aplicá-la, o que não acontece, haja vista a produção brasileira de foie gras.

O tema é polêmico. Países como Alemanha, Inglaterra e Itália também proíbem a produção, mas não a comercialização do produto, como a lei paulistana.

A questão do tratamento ético dos animais pelos humanos deveria ser objeto de maior debate e conscientização, e não de mais uma lei que não se deu ao trabalho de notar que era desnecessária.

Para minha surpresa e espanto, houve donos de restaurante que disseram publicamente que descumprirão a lei.

Quero ver o que o prefeito vai fazer.


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