Folha de S. Paulo


Não se esqueçam do futuro

Na crônica semanal de Luiz Ruffato para o jornal "El País", encontro as seguintes palavras do escritor sérvio Danilo Kis: "a leitura de diversos livros traz sabedoria; a leitura de um só, ignorância e ódio."

A frase foi tirada do livro "Um Túmulo para Boris Davidovich", e, hoje, quem assiste à escalada do fundamentalismo religioso no mundo entende por que o crítico Harold Bloom incluiu a obra em seu cânone da literatura ocidental.

Quando me mostraram o vídeo em que militantes do Estado Islâmico atacaram com picaretas e barras de ferro obras de arte no museu em Mossul, instintivamente desviei o olhar.

Minha sensação era a de que atacavam pessoas, e fechei os olhos para evitar a visão do sangue.

A cada dia, um novo vídeo: estrangeiros degolados ou abatidos a tiros. Homossexuais assassinados a pedradas. Mulheres escravizadas sexualmente.

Vem-me à mente a imagem que vi no Facebook do combatente do Estado Islâmico com os braços em volta de sua noiva de sete anos. Na expressão da menina, havia pavor e resignação.

Organizações fundamentalistas como o Estado Islâmico, o Taleban e o Boko Haram querem destruir a civilização ocidental. Deixam isso claro nos vídeos em que divulgam seus atos de barbárie.

E civilização ocidental somos você e eu. Nessa guerra, qualquer não muçulmano fundamentalista é visto como "infiel" e inimigo. São "eles" contra "nós". Minorias –mulheres, cristãos, yazidis, homossexuais– são particularmente vulneráveis.

A comunidade internacional parece não saber o que fazer. Afinal, é muito complicado lidar com quem está convencido de que fala em nome de Deus.

Nas áreas do Iraque ou da Nigéria ocupadas por fundamentalistas, violam-se os direitos humanos de minorias com base em critérios religiosos.

Ainda que em diferente proporção, tenta-se fazer o mesmo no Congresso brasileiro.

Vejamos o discurso infeliz que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, proferiu em recente encontro com evangélicos no Rio de Janeiro: "A maioria da sociedade pensa conforme nós pensamos. É só deixar que a maioria seja exercida, e não a minoria." Esse comentário referia-se ao ativismo LGBT.

Os princípios religiosos dos deputados são respeitáveis, mas não podem ser exercidos às custas dos direitos de outrem.

Uma pessoa da maioria não tem direito de oprimir uma pessoa da minoria. Não é só "eu, eu e eu". Os outros também existem e têm direitos. A graça do exercício democrático é a proteção aos direitos das minorias. Se for só o que a maioria quer, aí deixa de ser democracia, certo?

O avanço dos direitos LGBT é um processo irreversível no Ocidente. A cada dia aumenta entre os jovens a tolerância com a diversidade.

Basta analisar as estatísticas. Até o papa reconhece esse fato. Falta visão histórica ao político que ignora essa realidade.

Aos políticos que se opõem aos novos valores, um aviso: pensem na posteridade, não se esqueçam do futuro.


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