Folha de S. Paulo


Economia burra

Na semana passada, um instituto australiano divulgou relatório sobre a situação da paz no mundo. De 162 países pesquisados, apenas 11 não estão envolvidos em disputas internacionais. O Brasil é um deles.

Isso não é fruto do acaso. Vem do caráter do nosso povo e das contingências de nossa história. É, também, resultado do trabalho de gerações de funcionários do Itamaraty, que, por ofício, administram as relações do Brasil com o mundo.

São 227 missões diplomáticas operando 24 horas, 7 dias por semana, em 150 países. São cerca de 7.000 funcionários, todos concursados, dispostos a estar longe da família, dos amigos e do país. É quem circula pelos salões das autoridades em Paris e Londres, mas é também quem resgata brasileiros sob bombardeio no Líbano, visita corintianos presos na Bolívia e expõe filhos ao ebola na Libéria.

Quando a diplomacia de um país é boa, todos ganham: o comércio e a cooperação internacional crescem, e os conflitos se resolvem na conversa. O efeito multiplicador que a ação diplomática pode ter sobre o progresso nacional é incalculável.

Os dois últimos presidentes, FHC e Lula, compreenderam esse potencial e valorizaram a contribuição do serviço exterior brasileiro. No entanto, a julgar pelo tratamento que o Itamaraty recebe do governo atual, o entendimento sobre o potencial da diplomacia parece ter mudado.

Nossa ação diplomática tem sido prejudicada por repetidos cortes orçamentários. Trata-se de uma decisão política. Pelo decreto 8.197/14, que determinou os cortes nos Ministérios, o orçamento do Itamaraty perdeu três vezes mais que o do Ministério do Meio Ambiente, quatro vezes mais que o do Ministério das Comunicações, e cerca de cinco vezes mais que o do Ministério do Esporte. Hoje, a parcela do Itamaraty no orçamento da União é de 0,16% –menos que a quinta parte de 1%.

Esse tipo de economia denota miopia política de quem o determina. O desmantelamento orçamentário do Itamaraty pode interessar a setores do governo, mas não é do interesse do Estado brasileiro. Quando, por razões orçamentárias, uma embaixada atrasa uma conta ou cancela em cima da hora uma programação cultural acertada meses antes, perde credibilidade e acesso. O prejuízo para a imagem do país é maior que a economia de recursos. Em português claro: queima-se o filme do Brasil –e isso não tem dinheiro que pague.

Tem governantes que não gostam de diplomacia. No entanto, enquanto houver países e uma comunidade internacional, não tem como escapar, a tarefa tem de ser cumprida, gostem dela ou não.

Por isso, a flagelação do Itamaraty é temerária e atenta contra um patrimônio nacional valioso. O governo deve rever sua orientação e corrigir o problema.

As instituições do Estado são como casa alugada. Tem de preservar para o ocupante seguinte. Pode até mudar a cor das paredes, mas derrubar pilastra e cimentar gramado nenhum inquilino deve fazer.

(Ah! E para os que me acusarão de corporativismo: faz alguns meses deixei meu trabalho como diplomata para viver como escritor).

ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor


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