Folha de S. Paulo


Escolhemos ser modernos

Passo a semana na Europa. Pelas ruas de Paris, as referências ao Brasil não param. Vejo nosso país exibido nas vitrines e estampado na roupa das pessoas. No táxi, o motorista ouve no rádio uma entrevista sobre greves em São Paulo.

Antes de dormir, ligo a televisão: mais Brasil. Um programa na CNN sobre o Maracanã. Mudo de canal: um documentário mostra Lençóis Maranhenses. Se eu fosse estrangeiro, teria sonhado com uma praia entre Curitiba e Aracaju, com manifestações e muitas bolas de futebol. Tudo verde e amarelo.

Em Veneza, Brasil de novo. Na Bienal de Arquitetura, que fica na cidade até novembro, um pavilhão dedicado ao país explica muito do nosso caráter por meio da arquitetura. (E explica não apenas para os estrangeiros. Nós, brasileiros, aprendemos também.)

O curador-geral da Bienal, o arquiteto holandês Rem Koolhas, pediu aos países participantes que explorassem os temas da tradição e da modernidade. O pavilhão brasileiro teve a curadoria de André Corrêa do Lago, com a assistência de Rodrigo Ohtake.

O recado que nosso pavilhão dá é que, no Brasil, a tradição e a modernidade não se contrapõem. Ao contrário, aliam-se.

O pavilhão, cujo título é "Modernidade como Tradição", explica que, ao longo da história da arquitetura brasileira, se observa a apropriação de estilos estrangeiros com a inclusão de elementos de brasilidade, na tentativa de se criar um estilo nacional próprio.

Isso foi feito, com exemplos de grande qualidade, no barroco, no neoclássico e em outros períodos.

Mas foi com o estilo modernista, a partir dos anos 30, que a arquitetura brasileira adquiriu identidade própria. Ganhou traços característicos e passou a influenciar arquitetos em todo o mundo. No diálogo internacional sobre arquitetura, passou a falar de igual para igual.

O pavilhão brasileiro em Veneza apresenta com clareza esse processo. Nas palavras de André Corrêa do Lago, o Brasil "escolheu ser moderno". Eu acho que ele está certo. Escolheu mesmo. Ali, ele está falando de arquitetura, mas sua frase extrapola para os outros campos.

A ideia da modernidade encontra eco na autoimagem do brasileiro. Perceba que o termo é quase sempre utilizado com conotação positiva. Gostamos de nos pensar modernos. Frustramo-nos quando nos descobrimos arcaicos.

Pensamos mais no que gostaríamos de ser ou ter do que em quem, de fato, somos ou fomos. A modernidade do brasileiro é desejar um futuro no qual se possa reinventar de forma própria e melhor.

Como mostra o pavilhão em Veneza, conseguimos fazer isso bem na arquitetura. Em nome do futuro, transcendemos o passado sem negá-lo. Em outras áreas, porém, temos ainda de encontrar os nossos caminhos.
Penso em como a vida seria melhor se nossas instituições políticas, a exemplo dos arquitetos de outrora, também se guiassem pelo espírito da modernidade e da evolução.

Que ótimo seria se os líderes assumissem sua responsabilidade e nos levassem a cruzar as fronteiras do passado, indicando-nos o caminho para um país reinventado e melhor.


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