Folha de S. Paulo


Propaganda enganosa

Detesto quando estrangeiros criticam o Brasil. Sobretudo quando são meus amigos, e, mais ainda, quando as críticas que fazem têm fundamento. Recentemente passei por isso em um jantar em Tóquio.

O que fazer? Minha primeira reação foi rebater as críticas em tom conciliatório. Em seguida, tentei mudar de assunto. Quando nada disso funcionou, avisei que não estava gostando do papo. Acrescentei que, se continuassem, teria coisas desagradáveis a falar do país de cada um deles. Passamos a outros assuntos, e o jantar seguiu seu curso.

Dos quatro amigos com quem jantava, três moraram no Brasil. Falam português e se dizem fãs do país. Tão fãs que resolveram passar as últimas férias por lá. Fazia anos que não voltavam. Estranharam o que viram. Talvez a distância geográfica e temporal os tivesse feito esquecer mazelas. Talvez a memória tivesse embelezado a realidade.

Eu tinha voltado do Brasil na semana anterior e sabia que meus amigos tinham razão. Mas lamentei que o dissessem na minha frente, porque, afinal, é para evitar constrangimentos que hipocrisia existe.

As críticas de meus amigos se referiam basicamente à falta de preparo do país para receber turistas. Falaram de amadorismo. Sentiram-se explorados com os preços das coisas. A amiga que teve os sapatos roubados na praia e pagou R$ 200 por uma corrida de táxi que devia custar R$ 20, me falou: "o Brasil é um ótimo país, mas não quero voltar mais lá."

Ao ouvir isso, você lamenta, mas não há muito o que contra-argumentar. Todos têm direito a não querer voltar a um determinado lugar. Ninguém gosta de se sentir explorado. Eu mesmo tenho uma lista de lugares aos quais só voltaria por obrigação profissional.

A relação custo-benefício para um turista no Brasil obviamente deixa a desejar. É desagradável pagar por serviços que, internacionalmente, não têm categoria para custar nem a metade do que custam. Os próprios brasileiros descobriram isso e cada vez mais fazem turismo no exterior.

Por essa razão, pior do que ouvir as críticas de meus amigos foi tomar conhecimento de uma campanha governamental para fomentar o turismo cujo slogan é "o Brasil é o melhor país do mundo para viajar".

Campanhas como essa, que vendem o Brasil como "o melhor país do mundo" não contribuem em nada. Traduzem um ufanismo irresponsável, desperdiçam dinheiro público e prejudicam o progresso do Brasil. São deseducativas. Ao ouvi-las, o hoteleiro explorador e o garçom incompetente sentem-se justificados. Não precisam fazer nada para melhorar. Afinal, já são os melhores do mundo.

O Brasil é um país lindo. Mas não é o único, e tem muito a melhorar em termos de serviços turísticos. Repetir uma mentira ("o Brasil é o melhor país do mundo para viajar") em campanha promocional não a tornará realidade.

O que pode transformar Brasil no melhor país do mundo para viajar é investimento em infraestrutura e capacitação. É nisso que deveria ter sido gasto o dinheiro do contribuinte –não em propaganda enganosa.

ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor


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