Folha de S. Paulo


Decisão da Câmara de abolir contrapartidas a Estados é um desastre

Alan Marques/Folhapress
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na sessão de votação da chamada PEC dos Precatórios, em Brasília (DF), nesta quarta-feira
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)

Não é a primeira vez que escrevo sobre a questão estadual. Já em 2009, na forma de uma parábola, argumentava que os Estados cujas dívidas haviam sido renegociadas nos anos 1990 tinham se beneficiado à custa dos Estados mais pobres. Ainda assim, tentavam incessantemente obter novos privilégios, sempre culpando sua dívida por seus problemas.

Isto é, como já afirmei, falso. A dívida total dos Estados correspondia a 15,5% do PIB no final de 2001; em outubro deste ano não passava de 11,3% do PIB. Em particular a dívida renegociada nos anos 90 foi reduzida de 11,7% do PIB em 2001 para 8,1% do PIB no mesmo período. Por qualquer ângulo que se examine, o endividamento estadual é bem menor do que era, embora tenha piorado de 2013 para cá.

A deterioração resulta essencialmente do aumento dos gastos do conjunto dos Estados. Em 2011 os gastos atingiram (a preços de 2016) R$ 727 bilhões (11,8% do PIB); já nos 12 meses terminado em junho deste ano foram a R$ 835 bilhões (13,4% do PIB), aumento 15% superior à inflação. Dentre estes, a maior contribuição veio do gasto com pessoal, que passou de R$ 246 bilhões (4,2% do PIB) para R$ 307 bilhões (4,9% do PIB), superando a inflação em nada menos do que 18%.

De forma mais concisa, se os Estados se encontram em crise, a culpa é dos gestores que permitiram o descontrole, muitas vezes justificado com base em receitas voláteis, quando não temporárias.

Por outro lado, como se aprende em qualquer livro-texto de economia, os incentivos importam. Nesse sentido, a decisão da Câmara da semana passada de permitir nova rodada de reestruturação das dívidas estaduais sem contrapartida de medidas de ajuste fiscal não é um desastre apenas para a atual administração federal, mas também para todas que virão.

O projeto original previa que, em troca da suspensão do pagamento de suas dívidas por três anos, Estados teriam que elevar a contribuição previdenciária de seus funcionários de 11% para 14%, adotar regimes previdenciários equilibrados, bem como eliminar incentivos fiscais e tributários, além de uma série de providências para recolocar suas contas em ordem. Nada permaneceu na versão aprovada.

É verdade que o governo federal ainda pode impor essas mesmas exigências para reestruturar as dívidas, mas, na prática, isso obriga a equipe econômica a uma negociação caso a caso, não só mais demorada, mas também mais difícil do que seria em um cenário de aplicação de um conjunto de regras gerais definidas a priori.

As chances, portanto, que a União tenha, mais uma vez, que subsidiar os Estados irresponsáveis (à custa, vale lembrar, dos mais pobres) aumentou ainda mais.

Além disso, ao novamente premiar os infratores, a decisão da Câmara dos Deputados manda uma clara mensagem para as próximas gerações de governadores (e prefeitos): fiquem à vontade para gastar quanto quiserem. A conta, no final, será empurrada para o conjunto de contribuintes –somente uma fração dos quais reside no Estado.

Não é necessário um grande exercício de imaginação para concluir que esse incentivo gera um equilíbrio perverso, em que o gasto de cada Estado é maior do que seria sem essa garantia explícita.

Assim como no almoço entre amigos, todos se sentirão à vontade para pedir sobremesa, na crença cega de que os demais pagarão por ela.


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