Folha de S. Paulo


Barbeiro

Na semana passada discutimos "dominância fiscal", situação na qual um governo incapaz de servir sua dívida levaria a inflação a fazer o serviço que ele não faz, isto é, adequar o valor da dívida àquilo que consegue realizar do ponto de vista de seus gastos e receitas.

Concluímos que, sob tais circunstâncias, o Banco Central perderia a capacidade de controlar a inflação, independentemente da política adotada. Deixaria, por assim dizer, o banco do motorista e iria para o do passageiro (alguns, mais críticos, sugerem que o BC terminaria o processo no bagageiro).

Se isto for verdade, há uma forma —um tanto imperfeita, mas fazer o quê?— de aferirmos se já nos encontramos em tal situação: basta avaliar as expectativas sobre o comportamento futuro da inflação.

Caso já estejamos sofrendo essa síndrome, as expectativas deveriam revelar inflação crescente, movendo-se para longe da meta. Em particular, quanto mais distante o horizonte, tão mais altas deveriam ser as previsões inflacionárias.

Investigando em primeiro lugar as expectativas coletadas pelo Banco Central por meio de sua pesquisa Focus, não encontramos este padrão. Estas permanecem acima da meta tanto para este ano (9,75%), como em 2016 (6,12%), 2017 (5,0%) e 2018 (4,7%), mas convergem para ela em 2019. Os desvios são elevados no horizonte mais curto, porém menores nos horizontes mais longos, precisamente o contrário do que se esperaria no caso de dominância fiscal.

Isto dito, há problemas óbvios. Como já argumentei em outras ocasiões, as expectativas coletadas pela Focus costumam ser otimistas, tipicamente projetando taxas de inflação mais baixas do que as que efetivamente se materializam, o que também nos levaria a conclusões otimistas acerca da dominância fiscal.

Há uma alternativa, porém. Podemos investigar a chamada "inflação implícita", isto é, a diferença entre a taxa de juros de um título público sem correção inflacionária (NTN-F) e um título corrigido pela inflação (NTN-B) em prazos semelhantes. No caso, papéis que vencem em 2017 (NTN-F com rendimento de 15,3% ao ano e NTN-B com rendimento de inflação mais 6,2% anuais) sugerem que a "inflação implícita" para aquele horizonte se encontraria na casa de 8,6% ao ano, bem mais alta do que o implicado pela Focus para o período até aquele ano.

Mesmo nesse caso, porém, não parece haver uma crença de inflação crescente. Pelo contrário, para vencimentos mais longos as projeções implícitas de inflação revelam queda modesta, ainda que longe da meta, na casa de 7,5% anuais.

É bem verdade que, pouco antes da desastrada divulgação da proposta orçamentária para o ano que vem, estes números eram mais baixos, na casa de 6-6,5% ao ano, mas, ainda assim, as apostas do mercado financeiro não parecem (ainda) sugerir um processo inflacionário totalmente descontrolado, como se esperaria numa situação de dominância fiscal.

Se nossa interpretação estiver correta, não se conclui que o país esteja imune ao problema; implica apenas que haveria ainda fé na nossa capacidade de voltar a uma política fiscal mais responsável em algum horizonte de tempo.

Neste caso, contudo, não se poderia inocentar o BC pela deterioração das expectativas inflacionárias. É ele ainda o motorista que tem nos levado a um caminho mais do que perigoso.


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