Folha de S. Paulo


A origem

O Banco Central manifestou preocupação com a chamada "inércia inflacionária", isto é, a influência da inflação passada sobre as taxas corrente e futura. Faz sentido: há evidências de que a inflação se tornou mais persistente, dificultando sua convergência à meta de 4,5% no ano que vem, dado que neste ano ela deve ficar na casa de 9%, "puxando" para cima a taxa de 2016.

Sempre houve algum componente de inércia na inflação, mas a questão relevante é o motivo de sua elevação no período mais recente. Tipicamente se imagina que esse comportamento resulte de alguma característica primal da sociedade, talvez de origem sociológica. Pode até ser verdade, mas, mesmo se fosse, restaria ainda explicar o que teria feito essa característica se exacerbar nos últimos anos.

Ocorre que a inércia pode resultar também da percepção das pessoas acerca do prazo de convergência da inflação à meta.

Caso o BC mantenha a inflação flutuando ao redor da meta, de forma que, em média, as duas sejam bastante próximas, é claro que a melhor aposta para a inflação em um dado ano passa a ser a própria meta. É isso que chamamos de "ancoragem de expectativas".

Imagine, contudo, que, em face de um desvio suficientemente grande, o BC anuncie para a sociedade que estendeu o período de convergência para dois anos. Nesse caso, deixa de ser verdade que a melhor expectativa de inflação para o ano corrente seja a meta. Se metade do caminho for percorrida no primeiro ano, a melhor aposta para a inflação deste ano seria a média entre a inflação do ano anterior (9,0%) e a meta (4,5%), ou seja, 6,75%.

Caso o BC se decida por uma convergência ainda mais longa, digamos três anos, dividindo o caminho uniformemente, a melhor expectativa para o primeiro ano seria uma média ponderada entre a inflação passada (com peso 2/3) e a meta (com peso 1/3), isto é, 7,5%. Para uma convergência em quatro anos, a melhor aposta para inflação do primeiro ano ficaria próxima a 8%.

Assim, quanto mais longo for o período de convergência, tanto maior deve ser o peso atribuído à inflação passada na formação das expectativas acerca da inflação do ano corrente.

Não é difícil concluir, portanto, que a ação do BC a partir de 2011, quando estendeu extraordinariamente o período de convergência, deve ter feito com que os formadores de preços e salários passassem a atribuir peso crescente à inflação passada. Posto de outra forma, o aumento da persistência inflacionária resulta muito provavelmente da gestão equivocada da política monetária.

É compreensível, portanto, a mudança recente da linguagem do BC, que passou a dar ênfase à convergência já no ano que vem. Trata-se de tentativa de convencer os agentes a dar peso maior à meta e menor a inflação de 2015 na formação de suas expectativas para 2016.

O problema, porém, é o histórico nada honroso do comando do BC desde 2011. Para quebrar esse círculo vicioso de expectativas, será necessário passar por um período recessivo.

A alternativa de estender novamente a convergência custaria menos em termos de atividade agora, mas agravaria a inércia, repondo o problema à frente em escala maior. Foi, aliás, essa alternativa no passado que nos fez chegar à atual situação crítica; para sair dela, é forçoso, mais que nunca, quebrar esse padrão.


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