Folha de S. Paulo


Palpite infeliz

O Banco Central promete (ou talvez não, como veremos) que a inflação no ano que vem voltará a 4,5%, a meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).

Eu bem que gostaria de acreditar (não, minto: me divirto muito mais duvidando), mas, para ser sincero, não é a primeira vez que ouvimos essa promessa.

De fato, entre agosto de 2011 e agosto de 2012, enquanto reduzia a taxa de juros ininterruptamente, o BC bem que tentou garantir que sua política não ameaçaria o cumprimento da meta. Assim, ao longo daquele período, as atas das reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) afirmavam: "O Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, ajustes moderados no nível da taxa básica são consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012".

No entanto, a inflação em 2012 atingiu 5,84%, mesmo ajudada pela mudança na metodologia do IPCA, sem a qual a medida de inflação teria chegado a 6,54% naquele ano.

Apesar do fracasso evidente, o BC não se entregou. Em outubro de 2012, reconhecendo que o ano estava perdido, afirmava: "O Comitê entende que a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear". Em português, apostava que a manutenção da Selic no patamar então vigente (7,25% anuais) seria suficiente para fazer a inflação retornar à meta (mas não vou me aventurar a traduzir o que seria uma "convergência não linear").

Não foi. Tanto que, apesar de manter a promessa na ata até janeiro de 2013, já em abril daquele ano voltava a elevar a Selic e afirmava: "O Comitê avalia que essa decisão contribuirá para colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista no próximo ano".

Água de novo. A inflação em 2013 subiu para 5,96% e manteve a trajetória crescente ao longo de 2014, batendo em 6,41%.

Mesmo assim o BC interrompeu o ciclo de aumento de juros em abril de 2014 e redobrou a aposta: "O Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias –isto é, levando em conta estratégia que não contempla redução do instrumento de política monetária–, tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção".

Traduzindo, "agora está difícil, mas, se mantivermos a Selic nos níveis de hoje, a inflação volta a cair".

Ainda não foi dessa vez. Não é por outro motivo que, na primeira reunião após as eleições, o BC voltou a aumentar a taxa de juros, garantindo em janeiro deste ano que "decisões futuras de política monetária serão tomadas, com vistas a assegurar, no próximo ano, a convergência da inflação para a meta de 4,5% estabelecida pelo CMN".

O compromisso foi reiterado em março, com pequena, porém notável, alteração, pois agora o BC assegura a convergência para a meta "ao longo do próximo ano" (não mais "no próximo ano").

Diante desse histórico, nada mais saudável que o ceticismo acerca da capacidade, e mesmo da intenção, de o BC entregar a inflação na meta ano que vem.

Nesse sentido, a afirmação de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC (e um amigo a quem prezo muito), sobre Alexandre Tombini falar de inflação na meta desde 2011 e nunca entregar é, como mostrado acima, apenas uma constatação factual. Promessas não faltaram; faltou ação coerente com elas.

É, portanto, lamentável que, em vez de rebater essas críticas mostrando elementos que pudessem justificar que "desta vez será diferente", o BC tenha preferido atacar o histórico do Pastore na presidência da instituição, em que enfrentou problemas muito mais graves que os atuais.

Pastore entregou o país melhor do que estava quando assumiu a tarefa. Tombini não pode, nem de longe, afirmar o mesmo.


Endereço da página: