Folha de S. Paulo


Pibelho

Já podemos comemorar! Com o crescimento de 0,1% (!) registrado no terceiro trimestre deste ano, na comparação com o trimestre imediatamente anterior, interrompeu-se a sequência de quedas consecutivas do PIB brasileiro: não estamos mais em "recessão técnica"!

Na verdade, porém, essa definição de "recessão técnica" é um tanto forçada. No passado, quando economistas faziam estudos estatísticos sobre o fenômeno recessivo para um número grande de países, era necessário um critério simples para caracterizar uma recessão; daí a história de dois trimestres consecutivos de queda. É tão arbitrária quanto a definição de hiperinflação como aquela que supera 50% ao mês.

Hoje em dia, há critérios mais sofisticados para definir uma recessão (por exemplo, o trabalho do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, Codace) e não há evidência de que o Brasil esteja lá.

É claro, porém, que a economia brasileira está estagnada: o nível de produção do terceiro trimestre de 2014 (ajustado à inflação e à sazonalidade) é virtualmente indistinguível do observado no segundo trimestre do ano passado, e essa afirmação é verdadeira para todos os trimestres no período. O gráfico do PIB brasileiro parece o eletrocardiograma de um defunto.

Já quando olhamos os componentes do PIB, em vez do todo, percebemos que o finado dá sinais de vida, nem todos eles os mais saudáveis.

O consumo das famílias também está parado há cinco trimestres, mas o investimento e o consumo do governo ainda se movem; apenas não na melhor direção possível.

Assim, o investimento é hoje 10% inferior ao observado no segundo trimestre de 2013. Em compensação, o consumo do governo aumentou quase 2,5% no mesmo período.

Graças a esse arranjo de resultados a demanda interna também se encontra estagnada. Já nossa capacidade de crescimento futura só faz cair na esteira do investimento em queda.

Por outro lado, a poupança bruta brasileira atingiu pouco menos do que 13% do PIB. Nunca antes na história deste país poupamos tão pouco, reflexo do consumo do governo, que toma para si nada menos do que 22% do produto, a maior fração observada nos últimos 20 anos.

À luz desses números não fica nada difícil entender o motivo da combinação intrigante de crescimento baixo, investimento minguante, consumo de lado e, ainda assim, deficit externos elevados e uma taxa de inflação bastante acima da meta.

Nosso governo consome muito; em razão disso, não conseguimos investir e, apesar do baixo investimento, ainda precisamos de recursos externos para atender o setor público, cujo apetite simplesmente não cabe no PIB.

Não é por outra razão que um ajuste de fiscal de longo prazo, que ajude a recuperar a poupança doméstica, faz parte das condições necessárias à elevação da nossa taxa de crescimento sustentável.

Isso dito, no curto prazo, o esforço fiscal prometido pelo futuro ministro da Fazenda deverá se concentrar muito mais no aumento de impostos do que no corte dos gastos públicos. Mesmo as modestas reduções de gastos como proporção do PIB, observadas, por exemplo, em 1999 e 2003, parecem possibilidades remotas quando se considera o grau de rigidez da despesa pública no Brasil.

E não serão mudanças na pensão por morte, seguro-desemprego e abono salarial que irão entregar o necessário enxugamento no ano que vem. Mais uma vez, será sacrificado o pouco que resta do investimento público.

Uma vez que colocamos isso na conta, é surpreendente que o atual consenso de mercado ainda aponte para expansão no próximo ano acima da que deve ser registrada neste ano.

Os resultados até agora apontam para crescimento praticamente nulo em 2014. Já para descrever o comportamento da economia em 2015, estamos esgotando, como lembrou meu filho, todos os diminutivos da língua portuguesa. Depois do pibículo de 2014, o desempenho no ano que vem só poderá ser descrito como "pibelho".

Aguardo sugestões para 2016.


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