Folha de S. Paulo


"Foruarde" o quê?

Em tempos normais bancos centrais se utilizam das taxas de juros de curto prazo para –dentro do possível– controlar as condições monetárias da economia, estimulando ou moderando a demanda com o objetivo de manter a inflação próxima às metas e a economia operando ao redor do seu potencial.

No entanto, a crise de 2008 forçou as taxas de curto prazo para zero (ou perto disto) em vários países, o que criou uma dificuldade crítica para o manejo da política monetária. Ocorre que taxas nominais de juros não podem, em princípio, se tornar negativas.

Não há como convencer um depositante a entregar seus recursos e receber de volta menos do que depositou, já que há uma possibilidade alternativa: manter seus depósitos em dinheiro (ou conta corrente), recebendo zero por eles em vez de um valor negativo.

Isso implica um limite à atuação tradicional dos BCs, pois, mesmo se a economia continuar fraca e a inflação abaixo da meta, não há como reduzir adicionalmente a taxa de juros de curto prazo.

Por causa disso BCs, principalmente nos EUA e no Reino Unido, têm experimentado novos instrumentos de política monetária, por exemplo, a compra de títulos dos seus Tesouros, numa tentativa de reduzir taxas de juros de prazo mais longo e assim dar impulso adicional à demanda.

Dentre os novos instrumentos, chama a atenção o "forward guidance" ("orientação futura"), isto é, o compromisso do BC com dada trajetória da taxa de juros sob determinadas condições.

No caso americano o Fed se compromete a manter as taxas de juros nos atuais níveis mesmo se a economia mostrar sinais de crescimento mais acelerado, fenômeno que, em condições normais, o levaria a iniciar um processo de elevação da taxa de juros.

Assim, caso os agentes acreditem no compromisso, as taxas de juros de prazos mais longos permaneceriam abaixo dos níveis que atingiriam na ausência dessa promessa, em tese evitando a retirada precoce dos estímulos monetários.

Isso dito, há ainda bastante controvérsia sobre a eficácia deste instrumento, em particular se um BC teria realmente condições de prometer não fazer nada no que diz respeito à política monetária mesmo em face de evidentes pressões inflacionárias. Concretamente, se a inflação voltasse a se acelerar nos EUA (o que, diga-se, não parece ser o caso), será que o Fed conseguiria mesmo cumprir o que prometeu? Se a resposta for não, será que faria sentido para o mercado, hoje, acreditar nesta promessa?

Enfim, trata-se de discussão interessantíssima para economistas, mas, como deve ficar claro, totalmente fora de propósito se aplicada ao nosso atual contexto.

Pelo contrário, a natureza do problema é distinta e, na verdade, não apresenta nenhuma questão teórica mais complicada.

A dificuldade que aqui enfrentamos refere-se à incapacidade do BC em trazer a inflação de volta à trajetória de metas, da qual se desviou há cinco anos.

Isso, porém, se resolve com instrumentos tradicionais somados à determinação (ou, se preferirem, à autonomia) do BC.

Esse último elemento se encontra, contudo, ausente da formulação de política monetária no período mais recente.

Caso o BC quisesse mesmo reduzir a inflação poderia fazê-lo sem precisar se comprometer com qualquer trajetória a priori da taxa de juros; se não o fez nos últimos anos é porque lhe falta determinação (ou autonomia, mas a diferença no presente contexto é irrelevante).

Nesse aspecto a única "orientação futura" que se espera do BC não diz respeito à trajetória das taxas de juros, mas, sim, em que horizonte pretende fazer aquilo que deveria ser sua obrigação: trazer a inflação de volta à meta. Todo o resto é dispensável.

Por outro lado a experiência do nosso BC pode ajudar bastante suas contrapartes ao redor do mundo. No que tange a se comprometer a não fazer nada em face de uma inflação acima da meta e crescente, o Copom certamente tem muito a ensinar.


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