Folha de S. Paulo


Chef se suicida no auge da carreira

O suicídio do chef suíço Benoît Violier, 44, no domingo (31), foi um choque noticiado e repercutido em todo o mundo. Ele comandava o Restaurant de l'Hôtel de Ville, perto de Lausanne, um dos poucos do país com as muito cobiçadas três estrelas –a cotação máxima– do guia "Michelin".

Estava no auge da carreira, mas ainda assim resolveu atirar em si mesmo com um revólver. Toda a constelação de uberchefs franceses logo exprimiu seu luto nas mídias sociais e em entrevistas a jornais e televisão. "O planeta ficou órfão desse chef excepcional", tuitou Marc Veyrat. "Nosso mundo da cozinha perdeu seu melhor chef", postou Daniel Boulud no Instagram.

Não se sabe ainda o porquê do ato trágico, mas, previsivelmente, logo culparam a forte pressão consequente do desejo de permanecer no topo da profissão.

Em dezembro, o restaurante foi eleito número um no "La Liste", um ranking dos 1.000 melhores do mundo lançado pelo governo francês para fazer frente ao controvertido "50 Best" (dos 50 melhores restaurantes do mundo, publicado anualmente na Inglaterra). Por defeituosa que seja a "Liste" (tema que abordei há pouco neste espaço ), teve grande impacto e certamente atraiu muita atenção midiática e botou enorme pressão na equipe de Violier.

Em 2003, o mundo gastronômico levou um baque quando Bernard Loiseau se suicidou, não suportando o temor de perder a terceira de suas estrelas "Michelin" e não conseguir sustentar seu restaurante Relais Bernard Loiseau, na Borgonha. Dominique Loiseau, a viúva, assumiu o comando e por muitos anos manteve as três estrelas.

Por triste ironia do destino, segunda-feira –horas depois do suicídio de Violier– foi lançada a edição 2016 do "Michelin" da França, em que o restaurante de Loiseau foi demovido para duas-estrelas. A viúva disse estar "chocada" e "muito decepcionada" em e-mail enviado a pessoas próximas, divulgado pela AFP. A coletiva de imprensa de lançamento do guia iniciou-se com um minuto de silêncio em homenagem a Violier, que morrera horas antes.

Poucos chegam ao extremo dos dois franceses, mas muitos chefs admitem sofrer intensamente com a pressão dos guias, rankings e críticos gastronômicos.

David Chang, dono dos restaurantes Momofuku (inclusive o duas-estrelas Michelin Ko, em Nova York) contou-me que teve que parar de cozinhar porque adoeceu com o estresse e dava broncas violentas na equipe.

René Redzepi, cujo Noma foi eleito número um no tão temido ranking inglês, fez confissões cruas em seu livro "A Work in Progress", que inclui um diário. Vendo-o exausto e apagado depois que o Noma ficou em primeiro lugar na lista dos 50, sua mulher o perguntou insistentemente se ele estava "ok". Ele se sentia paralisado, sem ânimo para trabalhar –e teve que tirar quatro semanas do que chama de "férias medicinais" para voltar a si. "O sucesso é maravilhoso mas também pode ser perigoso", escreveu.

A chef Roberta Sudbrack, do restaurante homônimo no Rio, protestou com veemência no Instagram. "Basta de tanta lista, basta de tanto prêmio, basta de tanta pressão para ser o melhor. (...) Já basta a pressão do cansaço, da dor nas pernas, nas costas, da dificuldade de se manter uma equipe disposta e afinada. E dos custos. Já basta".

Imagino os nervos em frangalhos de chefs em noite de lançamento de ranking ou de guia "Michelin"– e me compadeço. Muitas vezes ainda têm que sorrir e posar para fotos depois de perderem, ou se sentirem injustiçados.

Mas como tudo na vida, há um outro lado da moeda. Esses mesmos guias e rankings colocam no mapa lugarzinhos distantes porém excelentes, trazendo fama e fortuna a chefs que, sem eles, estariam fadados ao anonimato e a parca clientela. Solidificam reputações de chefs. Atraem a atenção da mídia, resultando em matérias elogiosas e mais clientes.

A própria Sudback, que como outros cozinheiros brasileiros opõe-se à tirania de rankings e estrelas, ganhou mais reconhecimento no exterior depois que o "50 Best" a elegeu melhor chef mulher da América Latina.

Uma faca de dois gumes, portanto.

Sorte daqueles chefs que nascem com a personalidade adequada para aguentar o tranco. Esses são autoconfiantes até demais e inabaláveis, como os famosos franceses Alain Ducasse e Joel Robuchon.

Pobres aqueles chefs cujo perfeccionismo e autocrítica extremos, exacerbados por pressões externas, podem lançá-los em abismos.


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